quinta-feira, dezembro 31, 2009

fim de ano

Todas as fomes que o ano não quis,
Todas as vezes que meu nome partiu,
Em dois, em mil,
Em fins,
E depois cresceu, letra por letra,
Em ois, nas noites tortas
Em homenagens ao que foi,
Nos dias ricos em tchaus,
No mal que renasce todo dia,
No que insiste em vir,
Aquilo que existe no que vai.
E mais e mais e mais,
Meu nome que é menos, menos,
Depois mais e mais,
Até que eu me esqueça de tudo,
E todos os rituais de morte
Só tragam tudo à tona,
Tudo que fica e sobrevive,
O sim,
Todos os sins.

sábado, dezembro 26, 2009

confusões

não soubesse a distância,
umas esquinas, ruas tantas,
tontas idéias em fina estampa

torta lua que canta
em voz míngua,
sina de uma maneira
extinta de sentir
o tempo, manta
dos ponteiros,
mantra, rochedos
e madeira,
matéria-prima, língua,
cedos e tardes,
medos e fardos –
farsa de uma vida
sem arremedos.
Facas e flechas
Contra um alvo
Fácil e fértil,
Multiplicando-se em mil
Dez, cem mil
Até o fim.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Vícios

o sol queima entre meus dedos
e sopro algo de mim ao mundo.

Do copo vem um sol que desce
queimando o peito e meus olhos.

E o dia continua escuro.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Hard feelings - P.L.

Oceans,
emotions,
ships, ships,
and other relationships,
keep us going
through the fog
and wandering mist
What is it
that I missed?

sexta-feira, dezembro 11, 2009

poema-qualquer-coisa-work-in-progress

alguns escuros segundos
de silêncio

meus olhos percorrendo
seu rosto
colhendo semelhanças e
diferenças

até chegar nos olhos dela
(ela fazia o mesmo,
me percorria)

perguntas banais: como está a vida?
o trabalho, os dias ainda passam
como os dias passavam antigamente?

(noites que nunca foram tão azuis
como antes,
os dias sem sol que nunca foram cinzas,
o antes que nunca mais haverá,
todas as perguntas feitas que
não esperam respostas,
poças de chuva que explodem para qualquer
pé estranho)

nela havia algo de verão,
apesar do vento e da chuva
que parecia nascer do asfalto

e o hesitante tchau,
mãos recolhidas, olhos baixos,
sorrisos sinceros, pesarosos

(e a estranha sensação de totalidade,
suspensão do mundo do tempo,
da dualidade,
bom e ruim, como uma imensa
bola azul feita
de verão, chuva e vento)

sexta-feira, dezembro 04, 2009

trecho de Madona, de Rubem Fonseca

A viagem de volta foi feita em quase silêncio. Que maravilha, disse alguém. Pedrinho dirigia devagar e não estalava os dedos. Disse, não devemos contar para mais ninguém senão todo mundo vai querer fazer isso e não vai dar mais pé.
Paramos próximo da casa de Gina, numa rua escura. Pedrinho beijou Gilda, mas nenhum dos dois estava lá muito fanático; pararam e ficaram fumando. E eu? Eu, cujos planos emergiram todos do fundo da minha cabeça; confuso: uma mulher, uma mulher, que fosse sábia, forte, tivesse calor e energia, que espremesse de dentro de mim o berne frio que ocupava um espaço da minha vida, me fizesse esquecer coisas que eu não lembrava, me afogasse, me cansasse, me deixasse arriado e acima de tudo fosse enorme, absoluta e envolvente como a terra que cobre a sepultura.
Olhei para a moça do meu lado; ah! Gina!, pensei, não é você, não é nada disso. O rosto dela ainda estava meio sujo, uma seujeira feita de sangue Helena Rubinstein que o lenço não conseguira apagar de todo. Não é você, Gina, não é ninguém, não é, não é!
Não é o quê? perguntou Gina. Com licença, disse eu, e fui empurrando, pisei no pé dela, ficou maluco? espremi Gilda, saí.
Saí e fui andando pro lugar onde eu morava, sentindo. Quando eu ficar mais velho isto passa; se eu ficar mais velho. Na porta do meu edifício vi que não estava sozinho. Boa noite, e disse e ela me olhou sem responder. Você trabalha aqui?, perguntei. Ela respondeu, trabalho no quarto andar. Eu disse, vem cá, quero falar com você, e caminhei para as escadas, ela me seguindo. Subimos. Paramos no escuro. Como é teu nome? Marli. Fiz com que ela me excitasse, dei instruções precisas que ela executou docilmente; possui-a, ambos em pé, curvados, como os dois bichos que éramos; suas mãos me agarravam com força, seu corpo tremia da posição e da ânsia, um gemido se expandia dentro do seu peito como se fosse vapor de água fervendo; nesse instante de apogeu sua boca procurou a minha, mas eu virei meu rosto: como se aquilo fosse doer?, como se aquilo fosse me perder? – também, mas principalmente como se aquilo fosse me roubar.
Ela ajeitou suas roupas. Disse, meu bem, e isso me deixou arrepiado, pois naquele momento eu era mesmo o bem dela e o meu bem qual era? Disse, vai embora, não faz barulho; ela sussurrou, amanhã?, enquanto tirava os sapatos. Não respondi.
Desci as escadas, voltei para o hall de entrada, peguei o elevador, entrei no apartamento, tirei a roupa, fui ao banheiro, me lavei, deitei na cama.
E na cama pensei, comecei pensando: dei azar, dei azar, - dei azar, dei azar, dei azar – como carneirinhos pulando uma cerca, a coisa não acabava mais e eu não dormia, e enquanto isso esse pensamento ia assomando, algo que me espreitava no escuro do meu quarto: o ruim do mundo eu ainda não tinha visto, mas faltava pouco, muito pouco, para que isto acontecesse.