quarta-feira, junho 30, 2010

tristeza

Quando a tristeza escorre pelas calhas,
Bueiros, sarjetas, desce dos portões e janelas,
Envolve os postes, explode o amarelo das lâmpadas,
Tristeza como a chuva...

A rua torna-se rio caudaloso, a tristeza
Carrega os carros, motos, lixeiras, ambulantes,
Os cachorros sem dono, os motoristas impotentes,
(Mãos no volante, sem nada guiar...)

Este rio que engole o próprio caminho,
Estranhamente não deixando rastros,
Apagando rostos,
Um dia chega ao mar,
Tudo chega ao mar,

A violência do caminho para na calma
Das ondas, que completam seu ciclo
Embaixo de um céu estrelado, ou dum céu cinza,
Ou de chuva ou pôr-do-sol,
Mas calmo,

A calma violenta e serena do mar.

terça-feira, junho 08, 2010

Imaginações improvisadas

O tigre caminhou por entre as cadeiras, cuidando para que seu imenso corpo não tocasse em nada nem em ninguém. A aula continuou monótona. Ninguém além de mim notou a presença do tigre. Era um misto de beleza e perigo. Percebi: toda beleza é perigosa. O tigre me lembrou sereias num abismo (nova ordem de sereias que abandonaram o mar, por ele não guardar mais mistérios). Há sempre uma voz nos guiando para um naufrágio, e esta voz sempre é linda. O animal continuou seu baile. Passou em frente ao professor, que continuou jogando palavras ao vácuo. O tigre parou em frente a janela, olhou a paisagem e depois, lentamente, virou sua cabeça até alcançar meu eixo de olhar. Fitamos-nos por muito pouco tempo. Agora, com o caminho livre, o tigre avançou pelo corredor e sumiu da minha vista. Por muitos anos essa memória me assombrou como um tigre caminhando entre pessoas. Mas lentamente ela foi se apagando, caminhando para longe de mim. Uma desistência, talvez. Não insisti comigo mesmo, não procurei certificar minha memória, perguntando para outros que estavam lá se também tinham visto o tigre. Deixei-o fugir naturalmente, como naquele dia.