tag:blogger.com,1999:blog-77590555942799670712024-03-07T06:19:21.470-03:00Como um lápis numa península<i>"De tudo haveria de ficar para nós um sentimento longínquo de coisa esquecida na terra - como um lápis numa península".</i>
<b>Manoel de Barros</b> em <i>Livro sobre Nada</i>Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.comBlogger147125tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-68234318537151941662011-10-26T08:47:00.002-02:002011-10-26T08:51:01.613-02:00esboço de nossa casanão é o piso reformado<br />nem a parede pintada<br /><br />são nossos pés que caminham juntos<br />que fazem nosso chão<br /><br />muito mais os muros que derrubamos<br />do que nossas novas paredes<br /><br />a vista, já tínhamos<br />achamos uma boa janela para ela,<br />nossa janela, seus olhos<br /><br />e as flores nasceriam em qualquer lugar,<br />verdade,<br />mas nascem aqui, agora. <br />morrem e voltam a nascer,<br />não pelo cuidado pouco<br />nem falta de calor,<br />mas por seu ciclo, sua vontade.<br /><br />assim vamos aprendendo os limites do amor,<br />seu chão, suas paredes...<br /><br />e nelas escrevemos nossas datas<br />nossos nomesGuilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-14103554897499273532010-09-05T21:36:00.001-03:002010-09-05T21:38:12.912-03:00arcose pensar<br />na saudade<br />qual um arco,<br />como já foi dito:<br /><br /><br />uma linha que,<br />próxima,<br />logo se afasta<br />e depois volta.<br /><br />não um círculo,<br />ao mesmo ponto,<br />infinito por ser o mesmo<br />e estar em todo lugar,<br />mas um próximo que<br />distancia<br />e que retorna diferente,<br />trazendo coisas novas.<br /><br />***<br /><br />Mas também o arco,<br />ao contrário,<br />começa longe, vem,<br />e se afasta,<br />(fastio)<br />para depois se aproximar<br />(mas os pontos infinitos<br /> são os mesmos e impossíveis<br /> de definir)<br />uma matemática do perto e do longe,<br />longe de ser exata. <br /><br />e os espaços<br />onde se intercalam<br />(a saudade e o eu,<br /> a saudade e o estar)<br />são espaços<br />de alegria, são de vontade.<br /><br />tão simples e complicado como <br />definir, no meio da noite,<br />onde se colocar neste arco,<br />como definir qual fardo<br />carregar,<br />qual fardo deixar para trás<br />de presente à lembrança,<br /><br />como lançar um arco no meio da escuridão<br />(da noite negra ou da cegueira)<br />e nunca saber qual o alvo.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-78362605233578250562010-06-30T00:41:00.002-03:002010-07-03T10:24:36.321-03:00tristezaQuando a tristeza escorre pelas calhas,<br />Bueiros, sarjetas, desce dos portões e janelas,<br />Envolve os postes, explode o amarelo das lâmpadas,<br />Tristeza como a chuva...<br /><br />A rua torna-se rio caudaloso, a tristeza<br />Carrega os carros, motos, lixeiras, ambulantes,<br />Os cachorros sem dono, os motoristas impotentes,<br />(Mãos no volante, sem nada guiar...)<br /><br />Este rio que engole o próprio caminho, <br />Estranhamente não deixando rastros, <br />Apagando rostos,<br />Um dia chega ao mar, <br />Tudo chega ao mar, <br /><br />A violência do caminho para na calma<br />Das ondas, que completam seu ciclo <br />Embaixo de um céu estrelado, ou dum céu cinza,<br />Ou de chuva ou pôr-do-sol,<br />Mas calmo,<br /><br />A calma violenta e serena do mar.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-54284817637620182092010-06-08T12:40:00.001-03:002010-06-08T12:42:07.398-03:00Imaginações improvisadasO tigre caminhou por entre as cadeiras, cuidando para que seu imenso corpo não tocasse em nada nem em ninguém. A aula continuou monótona. Ninguém além de mim notou a presença do tigre. Era um misto de beleza e perigo. Percebi: toda beleza é perigosa. O tigre me lembrou sereias num abismo (nova ordem de sereias que abandonaram o mar, por ele não guardar mais mistérios). Há sempre uma voz nos guiando para um naufrágio, e esta voz sempre é linda. O animal continuou seu baile. Passou em frente ao professor, que continuou jogando palavras ao vácuo. O tigre parou em frente a janela, olhou a paisagem e depois, lentamente, virou sua cabeça até alcançar meu eixo de olhar. Fitamos-nos por muito pouco tempo. Agora, com o caminho livre, o tigre avançou pelo corredor e sumiu da minha vista. Por muitos anos essa memória me assombrou como um tigre caminhando entre pessoas. Mas lentamente ela foi se apagando, caminhando para longe de mim. Uma desistência, talvez. Não insisti comigo mesmo, não procurei certificar minha memória, perguntando para outros que estavam lá se também tinham visto o tigre. Deixei-o fugir naturalmente, como naquele dia.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-78940531306970659902010-04-02T10:13:00.002-03:002010-04-02T10:14:07.978-03:00celular polaroid<a href="http://vistapromar.tumblr.com">vistapromar.tumblr.com</a>Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-16575262727935123362010-02-25T02:41:00.002-03:002010-02-25T02:41:51.895-03:00nadaNada para escrever, um ótimo sinal.<br /><br />Ontem sonhei com o passado e acordei com o presente. Um ótimo sinal.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-88742924885645207332010-01-31T23:14:00.001-02:002010-01-31T23:16:44.269-02:00de uma conversa com RafaelTemos vivido sob um céu <br />de technicolor,<br />você bem disse.<br /><br />Esta vida de cores artificiais,<br />nuvens rosas artificiais.<br />O chão escuro e falso que piso<br />(cadafalso,<br /> lapso de espaço<br />entre ruínas, entre palavras)<br /><br />Nossos olhos preto-e-branco<br />nada podem contra o mundo,<br />e nem estas palavras,<br />nem algum gesto à Arthur ou Brancaleone.<br /><br />Mas nada adianta também <br />responder ao mundo com rudeza,<br />nada que tente desfazer os pactos diários,<br />que o sol, pastor dos dias, vai perdendo de seu rebanho,<br />nada que soe como desespero, desdém,<br />as palavras e cores que guardamos<br />nos desvãos da casa<br />ou qualquer canto que aprendemos a chamar de lar.<br /><br />Nós, que no desterro de outros céus<br />agora desaprendemos suas cores.<br /><br />Nós, que avançamos os dias<br />como uma marcha rumo a precipícios <br />e outras noites,<br />onde as cores artificiais<br />ganham ar de verdade<br />e o sons com hálito de álcool<br />florescem e fenecem em ouvidos sujos<br />mas puros, espero,<br />ingênuos,<br />todos refletindo e sendo iluminados <br />por estas cores.<br /><br />Nós, que às vezes chamamos de sol<br />os postes amarelos e as luzes dos faróis.<br />Nos livram de algumas rochas,<br />criam caminhos, algumas pontes, <br />alguns píeres...<br />Mas quem somos nós<br />para separar o real do ilusório? <br />O verde do verde, o azul do azul?<br />As noites da noite? <br /><br />Mas quem somos nós?Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-33137600241697003652010-01-20T02:46:00.000-02:002010-01-20T02:47:04.831-02:00VozesJá era sabido<br />do estampido de pólvora seca de sua voz<br />percorrendo-me até a raiz dos meus pés,<br />fixando ao chão minha gravidade pessoal,<br />órbita particular e livre<br />(prisão seria a fuga,<br /> um mundo inteiro de exílio,<br /> hesitação, portas demais).<br /><br />Já era sabido <br />do rugido incapaz de rasgar janelas.<br />Não se matava um leão por dia,<br />os colocava para dormir com doses<br />de voz mansa e promessas de outras<br />manhãs.<br /><br />(Sempre haverão outras manhãs,<br /> e depois mais outras,<br /> escondendo as noites atrás das pálpebras.)<br /><br />E mais palpável do que o já sabido<br />só o improvável riso no meio da rua,<br />rio,<br />as águas inundam todas as vozes.<br />(Embargam a minha)Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-7096117661401391312010-01-10T22:13:00.001-02:002010-01-10T22:14:44.778-02:00guardanapos de papel - miltonNa minha cidade tem poetas, poetas<br />Que chegam sem tambores nem trombetas<br />Trombetas e sempre aparecem quando<br />Menos aguardados, guardados, guardados<br />Entre livros e sapatos, em baús empoeirados<br />Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares<br />Onde vivem com seus pares, seus pares<br />Seus pares e convivem com fantasmas<br />Multicores de cores, de cores<br />Que te pintam as olheiras<br />E te pedem que não chores<br />Suas ilusões são repartidas, partidas<br />Partidas entre mortos e feridas, feridas<br />Feridas mas resistem com palavras<br />Confundidas, fundidas, fundidas<br />Ao seu triste passo lento<br />Pelas ruas e avenidas<br />Não desejam glorias nem medalhas, medalhas<br />Medalhas, se contentam<br />Com migalhas, migalhas, migalhas<br />De canções e brincadeiras com seus<br />Versos dispersos, dispersos<br />Obcecados pela busca de tesouros submersos<br />Fazem quatrocentos mil projetos<br />Projetos, projetos, que jamais são<br />Alcançados, cansados, cansados nada disso<br />Importa enquanto eles escrevem, escrevem<br />Escrevem o que sabem que não sabem<br />E o que dizem que não devem<br />Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas<br />Como se fossem cometas, cometas, cometas<br />Num estranho céu de estrelas idiotas<br />E outras e outras<br />Cujo brilho sem barulho<br />Veste suas caudas tortas<br />Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas<br />Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares<br />De palavras retrocedendo-se confusas, confusas<br />Confusas, em delgados guardanapos<br />Feito moscas inconclusas<br />Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo<br />Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo<br />E sendo eles poetas de verdade<br />Enquanto espiam e piram e piram<br />Não se cansam de falar<br />Do que eles juram que não viram<br />Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas<br />Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas<br />Lançadas ao espaço e ao mundo inteiro<br />Inteiro, inteiro, fossem vendo pra<br />Depois voltar pro Rio de JaneiroGuilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-25226506244132606052009-12-31T08:14:00.000-02:002009-12-31T08:15:15.945-02:00fim de anoTodas as fomes que o ano não quis,<br />Todas as vezes que meu nome partiu,<br />Em dois, em mil,<br />Em fins, <br />E depois cresceu, letra por letra,<br />Em ois, nas noites tortas <br />Em homenagens ao que foi,<br />Nos dias ricos em tchaus,<br />No mal que renasce todo dia,<br />No que insiste em vir,<br />Aquilo que existe no que vai.<br />E mais e mais e mais,<br />Meu nome que é menos, menos,<br />Depois mais e mais,<br />Até que eu me esqueça de tudo,<br />E todos os rituais de morte<br />Só tragam tudo à tona,<br />Tudo que fica e sobrevive,<br />O sim,<br />Todos os sins.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-80288076891474194862009-12-26T02:18:00.000-02:002009-12-26T02:19:58.793-02:00confusõesnão soubesse a distância,<br />umas esquinas, ruas tantas,<br />tontas idéias em fina estampa<br /><br />torta lua que canta<br />em voz míngua, <br />sina de uma maneira<br />extinta de sentir<br />o tempo, manta <br />dos ponteiros,<br />mantra, rochedos<br />e madeira,<br />matéria-prima, língua,<br />cedos e tardes,<br />medos e fardos –<br />farsa de uma vida<br />sem arremedos.<br />Facas e flechas<br />Contra um alvo <br />Fácil e fértil,<br />Multiplicando-se em mil<br />Dez, cem mil<br />Até o fim.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-21492594170940548852009-12-17T00:41:00.002-02:002009-12-17T00:42:41.381-02:00Vícioso sol queima entre meus dedos<br />e sopro algo de mim ao mundo.<br /><br />Do copo vem um sol que desce<br />queimando o peito e meus olhos.<br /><br />E o dia continua escuro.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-42453039311952945282009-12-16T19:51:00.000-02:002009-12-16T19:52:07.636-02:00Hard feelings - P.L.Oceans,<br />emotions,<br />ships, ships,<br />and other relationships,<br />keep us going<br />through the fog<br />and wandering mist<br />What is it<br />that I missed?Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-81307126804247977672009-12-11T02:37:00.002-02:002009-12-11T02:49:38.243-02:00poema-qualquer-coisa-work-in-progressalguns escuros segundos <br />de silêncio<br /><br />meus olhos percorrendo<br />seu rosto<br />colhendo semelhanças e<br />diferenças<br /><br />até chegar nos olhos dela<br />(ela fazia o mesmo, <br /> me percorria)<br /><br />perguntas banais: como está a vida?<br />o trabalho, os dias ainda passam<br />como os dias passavam antigamente?<br /><br />(noites que nunca foram tão azuis<br /> como antes,<br /> os dias sem sol que nunca foram cinzas,<br /> o antes que nunca mais haverá,<br /> todas as perguntas feitas que<br /> não esperam respostas,<br /> poças de chuva que explodem para qualquer<br /> pé estranho)<br /><br />nela havia algo de verão,<br />apesar do vento e da chuva<br />que parecia nascer do asfalto<br /><br />e o hesitante tchau,<br />mãos recolhidas, olhos baixos,<br />sorrisos sinceros, pesarosos<br /><br />(e a estranha sensação de totalidade,<br /> suspensão do mundo do tempo,<br /> da dualidade,<br /> bom e ruim, como uma imensa <br /> bola azul feita<br /> de verão, chuva e vento)Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-53676579325483253002009-12-04T23:50:00.002-02:002009-12-04T23:51:24.130-02:00trecho de Madona, de Rubem FonsecaA viagem de volta foi feita em quase silêncio. Que maravilha, disse alguém. Pedrinho dirigia devagar e não estalava os dedos. Disse, não devemos contar para mais ninguém senão todo mundo vai querer fazer isso e não vai dar mais pé.<br />Paramos próximo da casa de Gina, numa rua escura. Pedrinho beijou Gilda, mas nenhum dos dois estava lá muito fanático; pararam e ficaram fumando. E eu? Eu, cujos planos emergiram todos do fundo da minha cabeça; confuso: uma mulher, uma mulher, que fosse sábia, forte, tivesse calor e energia, que espremesse de dentro de mim o berne frio que ocupava um espaço da minha vida, me fizesse esquecer coisas que eu não lembrava, me afogasse, me cansasse, me deixasse arriado e acima de tudo fosse enorme, absoluta e envolvente como a terra que cobre a sepultura. <br />Olhei para a moça do meu lado; ah! Gina!, pensei, não é você, não é nada disso. O rosto dela ainda estava meio sujo, uma seujeira feita de sangue Helena Rubinstein que o lenço não conseguira apagar de todo. Não é você, Gina, não é ninguém, não é, não é!<br />Não é o quê? perguntou Gina. Com licença, disse eu, e fui empurrando, pisei no pé dela, ficou maluco? espremi Gilda, saí. <br />Saí e fui andando pro lugar onde eu morava, sentindo. Quando eu ficar mais velho isto passa; se eu ficar mais velho. Na porta do meu edifício vi que não estava sozinho. Boa noite, e disse e ela me olhou sem responder. Você trabalha aqui?, perguntei. Ela respondeu, trabalho no quarto andar. Eu disse, vem cá, quero falar com você, e caminhei para as escadas, ela me seguindo. Subimos. Paramos no escuro. Como é teu nome? Marli. Fiz com que ela me excitasse, dei instruções precisas que ela executou docilmente; possui-a, ambos em pé, curvados, como os dois bichos que éramos; suas mãos me agarravam com força, seu corpo tremia da posição e da ânsia, um gemido se expandia dentro do seu peito como se fosse vapor de água fervendo; nesse instante de apogeu sua boca procurou a minha, mas eu virei meu rosto: como se aquilo fosse doer?, como se aquilo fosse me perder? – também, mas principalmente como se aquilo fosse me roubar.<br />Ela ajeitou suas roupas. Disse, meu bem, e isso me deixou arrepiado, pois naquele momento eu era mesmo o bem dela e o meu bem qual era? Disse, vai embora, não faz barulho; ela sussurrou, amanhã?, enquanto tirava os sapatos. Não respondi.<br />Desci as escadas, voltei para o hall de entrada, peguei o elevador, entrei no apartamento, tirei a roupa, fui ao banheiro, me lavei, deitei na cama.<br />E na cama pensei, comecei pensando: dei azar, dei azar, - dei azar, dei azar, dei azar – como carneirinhos pulando uma cerca, a coisa não acabava mais e eu não dormia, e enquanto isso esse pensamento ia assomando, algo que me espreitava no escuro do meu quarto: o ruim do mundo eu ainda não tinha visto, mas faltava pouco, muito pouco, para que isto acontecesse.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-40215751152237233312009-11-18T23:08:00.000-02:002009-11-18T23:09:09.647-02:00caisNem o primeiro beijo <br />se apaga,<br />nem o tempo toma rumo<br />até a paz<br />ou outros cais<br />quaisquer.<br /><br />Qual começo quer? <br />Qual fim escolhe, <br />o do dia ou da noite?<br /><br /> Besteiras, maneira de dizer.<br />Tolices, Alices na Wonderland<br />que ninguém mais sente.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-22728530200865642502009-11-02T10:43:00.000-02:002009-11-02T10:44:32.054-02:00cherchez la femme - pequenos retratosEra ruiva como o incêndio que tentava apagar. Tinha olhos rápidos, como cavalos castanhos. Surgia sempre que em meus olhos explodiam faíscas, uma pequena aparição, um timing vacilante, porém tentador. Ela esperava a chuva, os rios, as lâmpadas amarelas de mercúrio. Ela sempre esperava. Na verdade nem sempre ela tentava apagar os incêndios.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-5147375321984884082009-10-30T12:35:00.001-02:002009-10-30T12:35:54.990-02:00cherchez la femme - pequenos retratosEla é branca (ela se acha muito branca). Talvez a única neve que conheci em vida. Ou muita luz. Ou cegueira. São muitos os pontos de vista, são muitos os meus olhos. E mesmo assim eles insistem em vê-la sempre de forma inédita (flocos de neve refletindo as cores do arco-íris, uma por uma).Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-57066459906440173802009-10-24T22:42:00.001-02:002009-10-24T22:43:12.232-02:00Hilda HilstSer terra<br />e cantar livremente<br />o que é finitude<br />e o que perdura.<br /><br />Unir numa só fonte<br />o que souber ser vale<br />sendo altura.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-23025900350183467942009-10-21T22:49:00.000-02:002009-10-21T22:50:28.492-02:00Divagações sobre um cacto em forma de coraçãoUm coração de espinhos acende o centro da sala,<br />luz sobreposta nos poços de sombra,<br />penumbra escorrendo pela parede<br />feito um rio desalinhado.<br /><br />Talvez fossem resquícios de sonhos,<br />antigos vícios, outras luzes,<br />outras paisagens.<br /><br />(um coração em forma de cacto, <br /> ou um pacto contra o deserto dos dias) <br /><br />Talvez uma lembrança que ali nasce,<br />logo antes de acontecer.<br />Uma surpresa aguardando sua vez, <br />pequenas revoluções que não entram<br />nos livros de história.<br /><br />Um coração de espinhos nasce no centro da sala,<br />e um dia nascerá como outra luz, vício saudável,<br />uma nova paisagem.<br /><br />(os espinhos nada mais são que raios de luz <br /> congelados em seu início,<br /> resquício do tempo inerte e inacessível:<br /> o Tempo)Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-20725932202565404532009-10-18T19:58:00.001-02:002009-10-18T19:58:58.854-02:00poema antigo - Primeira indagaçãoQual, a primeira saudade?<br />(se é que podemos numerá-las – <br /> talvez tudo seja uma face da saudade,<br /> da mesma saudade)<br /><br />Qual é o ponto inicial, o primeiro<br />gesto ou palavra,<br />que desencadeia uma rede de sentimentos<br />que se encontram em um só?<br /><br />Talvez o ato inaugural,<br />o primeiro foguete à lua, <br />a visão da terra azul,<br />a primeira bandeira no cume, <br />talvez sejam estes o primeiro crime:<br /><br />estar fora de órbita <br />quando tudo ainda é alcançável,<br />saber que sentirá saudades.<br /> Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-31986899014871352992009-10-14T13:07:00.001-03:002009-10-14T13:08:53.514-03:00Esboço para a história de Matias - parte 1<span style="font-style:italic;">Se eu pudesse ter acesso, poderia ser apenas por alguns minutos, a como ela pensa e funciona. Como destrinchar um relógio, conhecer cada engrenagem, me habituar a elas, ver o que há por trás de cada peça, depois juntá-las, agora fazendo que o tempo seja outro. Deve haver uma ordem secreta das coisas, se um relógio for alterado, todos os outros se alterarão também, para sempre. </span><br /><br />Matias correu pelo parque, querendo ser outro. Já havia uma semana que corria regularmente pelas manhãs, dando voltas e mais voltas, do ponto A ao B, voltando ao A e assim ia, rodando como um ponteiro, exato em toda sua tentativa de mudar, outra vida, outros ares. Brincava com os cachorros e sorria para as donas, que passeavam com suas longas pernas expostas ao verão. Mas era tudo mecânico, como um relógio. <br />Não importava quantas voltas desse, uma hora teria que voltar para sua casa. Corria o quanto dava, transpirava até derreter, menos si mesmo, se misturando a tudo e todos do parque, mas não havia fuga. <br />Em casa, olhava fixamente o computador. O editor de texto aberto, transcrevia a fala cadenciada do entrevistado, um fotógrafo social que agora falava de seu trabalho rotineiro. O casamento dos outros, a formatura do filho dos outros, o batizado, as bodas, o aniversário de cem anos da bisavó de alguém. Participando ao não participar da vida dos outros. Aos poucos, Matias percebeu que só escutava, não mais digitava as palavras do entrevistado. <br /><br /><span style="font-style:italic;">Um biólogo realmente sabe das plantas? Pode saber de todos seus mecanismos, como se reproduzem, se alimentam, como conseguem sobreviver a um ambiente fértil ou hostil, tudo. Mas não acho que realmente saibam o que é uma planta. A vida da planta não se explica biologicamente. Um jardineiro sabe muito mais da vida do que um biólogo.</span> <br /><br />Deixou o computador, foi até o jardim da sua casa. João, que dividia a casa com Matias, havia acordado e já começara seu ritual diário: música alta, acompanhando a música com um péssimo inglês. Bom humor demais, quase euforia. Não era possível que fosse tudo sincero. Matias, com uma grande tesoura de jardinagem, caminhava para suas plantas, o que mais lhe dava prazer ultimamente. Cuidar das plantas. Nada tão objetivo, mesmo envolto em tanto mistério. Ali achava que exercia um certo controle. Se não controle, influência direta. Elas dependiam dele, ele dependia delas. Imaginava que o sentimento deveria ser parecido com o de ter um filho, mas não saberia. Não os tinha, a futura mãe de seu filho não poderia mais ser a futura mãe de seus filhos, não tinham mais nada, nem mais se olhavam nos olhos direito, quando se cruzavam nos bares comuns, nas ruas comuns aos dois. Voltar às plantas, se concentrar nas plantas. Elas precisavam dele, ele precisava delas.<br /><br /><span style="font-style:italic;">Ela deve estar olhando através duma janela agora, para uma paisagem que passa e deixa algumas coisas. Ela pensa em mim, quando pensa em si, nas árvores que cortam a vista, sumindo e voltando? Todas as árvores a árvore. Todas a mesma árvore. Música nos ouvidos, flutuando dentro do ônibus, fugindo de algo, voltando para a outro. De qualquer maneira, para longe daqui. Preciso escrever para ela, falar das entrevistas, das plantas, das corridas matinais, das eleições, criticar o prêmio Nobel, perguntar de seu pai, falar de minha mãe, comentar das gérberas que morreram e das que vão nascer. Qualquer coisa, mas sei que não vou falar nada.</span><br /><br />Matias enfiou a mão na terra fofa e a deixou ali por alguns instantes, sentindo o frio da terra contra o calor excessivo. João apareceu na janela e acabou com o silêncio reflexivo de Matias, ao cantar para ele um samba-canção, como se fosse a Julieta do alto da janela quem declamasse para um Romeu apaixonado lá embaixo. Matias riu.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-69035948018099563402009-10-14T10:37:00.002-03:002009-10-14T10:40:23.314-03:00mutaçãosó pensando (e lembrando) em como o mesmo sentimento vai mudando como um sonho, que dispensa regras de continuidade e lógicas simples. Um dia é cansaço, no outro saudade, depois raiva, aí volta saudade, aí é saco cheio, depois sorriso discreto, esperança, que vira luto. Isso nos dias que você consegue dar nomes e limitar o que está sentindo. Mas é constante e é um sentimento só.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-22054885466532059922009-10-12T13:09:00.002-03:002009-10-12T13:09:56.799-03:00RastrosComo seguir rastros de tornados,<br />determinar início e fim,<br />encontrar caminho no caos,<br />que só o centro, <br />o olho (“The I of the hurricane”),<br />vê.<br /><br />Tarefa impossível que a escrita<br />confunde em pistas falsas.<br />outras mãos escrevem a história,<br />não estas.<br />Outros olhos fixos no centro do giro,<br />não estes.<br />(quase uma comédia com Peter Sellers<br />ou uma foto de Koudelka –<br />estar fora do lugar como<br />o máximo do estar)<br /><br />Como andar por ruas iguais,<br />entre adolescentes e executivos iguais,<br />todos com cabelos iguais e o mesmo olhar.<br />E o medo de tudo ser espelho ou<br />janela para um tempo dividido,<br />irreconciliável.<br /><br />Um tempo em que eu não mais<br />me distanciasse, nem tivesse <br />o faro dum detetive livresco<br />ou qualquer herói eleito.<br />Este tempo quebrado,<br />de trechos de filmes<br />(imagens soltas sem sopro ou surpresa),<br />de frases perdidas, imperdoáveis<br />(Hamlet escalando a montanha mágica,<br />Leopold Bloom caminhando pelo Rio de Janeiro).<br />O Tempo que se pensava indivisível,<br />o maior e primordial átomo,<br />agora em estilhaços<br />(ou esteve despedaçado, ou estará,<br />quem sabe? Quem está fora do pesadelo <br />e realmente sabe? <br />Como aquela vez em que estive num jardim sem vento<br />ou na pedra que apontava para morros milhares de metros <br />abaixo.)<br /><br />Pensar então fora do tempo <br />– impossível como perseguir tornados – <br />mas tentamos, eu tento.<br /><br />E separo-me de todos os outros,<br />dos espelhos, do tornado, das janelas,<br />gerânios, guerras, gueixas, carros,<br />costas e mares, amores, peixes, flechas,<br />e choros.<br />Separo-me das chaves, das vistas, cheiros, dores,<br />dia-a-dia, poemas pela metade, noites e mortes<br />pela metade...<br />Tudo se misturando até perder os nomes,<br />as linhas divisórias, anti-geografia<br />da linguagem, anti-literatura<br />das bocas, o calar da história <br />dos ouvidos.<br /><br />Até que desapareçam todos os rastros do tornado.<br />Quando a calmaria baixar sobre as cidades<br />e cegar os postes e faróis,<br />não haverá nem olho para que isso exista, <br />e o tempo voltará a reinar,<br />imperativo.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7759055594279967071.post-63042208042222352222009-10-10T00:08:00.000-03:002009-10-10T00:09:36.732-03:00MantraEstar perdido nas próprias palavras,<br />quando se acorda logo de manhã e <br />o sol já desistiu da janela.<br />Nenhum traço de luz nos lençóis,<br />nem de voz no vão do quarto.<br /><br />Cada vogal toma seu tempo<br />e erra.<br />Cada consoante interrompe o ar<br />e erra.<br /><br />Errante entre o espaço exíguo, <br />(a vida às vezes venta leve<br /> e violenta os olhos cansados)<br />exilado, exímio em não saber<br />estar, estando como pode,<br />até não mais caber em si. <br />Buscar um nós que não mais está...<br /><br />Ao tatear palavras tatuadas no corpo,<br />no torso arqueante, <br />que respira a vida leve e a devolve<br />pesada, pesada.<br /><br />Pé após pé, <br />o mantra que canta<br />enquanto a melodia<br />se cansa.Guilhermehttp://www.blogger.com/profile/05922616572402600117noreply@blogger.com0