Assenhoreamento
A primeira vez que levitei foi no meu quarto. Eu ouvia música, concentrado em meus pensamentos. Uma sensação de leveza tomou meu corpo, e eu, que fitava o teto, o vi aproximando. Olhei para baixo e vi meu pé deixando de tocar o lençol, que manteve minhas formas como se eu ainda ali estivesse. Não contei para ninguém. Há muito eu mesmo me desacreditara. A segunda vez que aconteceu foi num ônibus, voltando para casa após uma festa. Já havia amanhecido e alguns trabalhadores começavam seu dia útil. Eu olhava pela janela e percebi toda perspectiva mudar. As linhas de meu olhar criaram novos desenhos, novas configurações da paisagem, e percebi estar levitando novamente. Eu não tinha controle nenhum sobre este dom, o que me fazia questionar se realmente era um dom. Logo já estava no banco novamente. Olhei para os lados, mas ninguém me olhava, ninguém percebeu. A terceira vez aconteceu enquanto eu caminhava numa rua do meu bairro. Meus pés deixaram de tocar o chão, mas eu continuei indo para frente, como se ainda caminhasse. Não fiquei assustado dessa vez, mas ainda não tinha nenhum controle sobre a levitação. Estou aguardando a quarta vez. Passo horas no meu quarto, concentrado em levitar. Sou humano, e tudo que me foge ao controle me assusta. Minha mãe acha que estou deprimido. Talvez eu esteja, mas não é por isso que fico trancado em meu quarto. Preciso ser senhor dos meus movimentos, ser dono de mim.
3 comentários:
Beleza!
Convido-o a visitar meu blog de literatura.
grato
Guilherme,
além de excelente fotógrafo também é um escritor muito talentoso ... e tão jovem ainda.
Esse texto me fez pensar num livro do Paul Auster, chamado Mr. Vertigo. Se tiver a oportunidade leia. Falando nisso, já leu o conto do Felisberto ?
Fala, rapaz... então, fiz um freela pra revista da Bienal. Eles tinham uma materia sobre ele e queriam umas fotos. Foi uma otima experiencia. E vc não pára de escrever hein? rs... aliás, tenho q agradecer pelas visitas, vem mó galera do seu link, heheh.
Abraço!
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