Rastros
Como seguir rastros de tornados,
determinar início e fim,
encontrar caminho no caos,
que só o centro,
o olho (“The I of the hurricane”),
vê.
Tarefa impossível que a escrita
confunde em pistas falsas.
outras mãos escrevem a história,
não estas.
Outros olhos fixos no centro do giro,
não estes.
(quase uma comédia com Peter Sellers
ou uma foto de Koudelka –
estar fora do lugar como
o máximo do estar)
Como andar por ruas iguais,
entre adolescentes e executivos iguais,
todos com cabelos iguais e o mesmo olhar.
E o medo de tudo ser espelho ou
janela para um tempo dividido,
irreconciliável.
Um tempo em que eu não mais
me distanciasse, nem tivesse
o faro dum detetive livresco
ou qualquer herói eleito.
Este tempo quebrado,
de trechos de filmes
(imagens soltas sem sopro ou surpresa),
de frases perdidas, imperdoáveis
(Hamlet escalando a montanha mágica,
Leopold Bloom caminhando pelo Rio de Janeiro).
O Tempo que se pensava indivisível,
o maior e primordial átomo,
agora em estilhaços
(ou esteve despedaçado, ou estará,
quem sabe? Quem está fora do pesadelo
e realmente sabe?
Como aquela vez em que estive num jardim sem vento
ou na pedra que apontava para morros milhares de metros
abaixo.)
Pensar então fora do tempo
– impossível como perseguir tornados –
mas tentamos, eu tento.
E separo-me de todos os outros,
dos espelhos, do tornado, das janelas,
gerânios, guerras, gueixas, carros,
costas e mares, amores, peixes, flechas,
e choros.
Separo-me das chaves, das vistas, cheiros, dores,
dia-a-dia, poemas pela metade, noites e mortes
pela metade...
Tudo se misturando até perder os nomes,
as linhas divisórias, anti-geografia
da linguagem, anti-literatura
das bocas, o calar da história
dos ouvidos.
Até que desapareçam todos os rastros do tornado.
Quando a calmaria baixar sobre as cidades
e cegar os postes e faróis,
não haverá nem olho para que isso exista,
e o tempo voltará a reinar,
imperativo.
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