quarta-feira, outubro 26, 2011

esboço de nossa casa

não é o piso reformado
nem a parede pintada

são nossos pés que caminham juntos
que fazem nosso chão

muito mais os muros que derrubamos
do que nossas novas paredes

a vista, já tínhamos
achamos uma boa janela para ela,
nossa janela, seus olhos

e as flores nasceriam em qualquer lugar,
verdade,
mas nascem aqui, agora.
morrem e voltam a nascer,
não pelo cuidado pouco
nem falta de calor,
mas por seu ciclo, sua vontade.

assim vamos aprendendo os limites do amor,
seu chão, suas paredes...

e nelas escrevemos nossas datas
nossos nomes

domingo, setembro 05, 2010

arco

se pensar
na saudade
qual um arco,
como já foi dito:


uma linha que,
próxima,
logo se afasta
e depois volta.

não um círculo,
ao mesmo ponto,
infinito por ser o mesmo
e estar em todo lugar,
mas um próximo que
distancia
e que retorna diferente,
trazendo coisas novas.

***

Mas também o arco,
ao contrário,
começa longe, vem,
e se afasta,
(fastio)
para depois se aproximar
(mas os pontos infinitos
são os mesmos e impossíveis
de definir)
uma matemática do perto e do longe,
longe de ser exata.

e os espaços
onde se intercalam
(a saudade e o eu,
a saudade e o estar)
são espaços
de alegria, são de vontade.

tão simples e complicado como
definir, no meio da noite,
onde se colocar neste arco,
como definir qual fardo
carregar,
qual fardo deixar para trás
de presente à lembrança,

como lançar um arco no meio da escuridão
(da noite negra ou da cegueira)
e nunca saber qual o alvo.

quarta-feira, junho 30, 2010

tristeza

Quando a tristeza escorre pelas calhas,
Bueiros, sarjetas, desce dos portões e janelas,
Envolve os postes, explode o amarelo das lâmpadas,
Tristeza como a chuva...

A rua torna-se rio caudaloso, a tristeza
Carrega os carros, motos, lixeiras, ambulantes,
Os cachorros sem dono, os motoristas impotentes,
(Mãos no volante, sem nada guiar...)

Este rio que engole o próprio caminho,
Estranhamente não deixando rastros,
Apagando rostos,
Um dia chega ao mar,
Tudo chega ao mar,

A violência do caminho para na calma
Das ondas, que completam seu ciclo
Embaixo de um céu estrelado, ou dum céu cinza,
Ou de chuva ou pôr-do-sol,
Mas calmo,

A calma violenta e serena do mar.

terça-feira, junho 08, 2010

Imaginações improvisadas

O tigre caminhou por entre as cadeiras, cuidando para que seu imenso corpo não tocasse em nada nem em ninguém. A aula continuou monótona. Ninguém além de mim notou a presença do tigre. Era um misto de beleza e perigo. Percebi: toda beleza é perigosa. O tigre me lembrou sereias num abismo (nova ordem de sereias que abandonaram o mar, por ele não guardar mais mistérios). Há sempre uma voz nos guiando para um naufrágio, e esta voz sempre é linda. O animal continuou seu baile. Passou em frente ao professor, que continuou jogando palavras ao vácuo. O tigre parou em frente a janela, olhou a paisagem e depois, lentamente, virou sua cabeça até alcançar meu eixo de olhar. Fitamos-nos por muito pouco tempo. Agora, com o caminho livre, o tigre avançou pelo corredor e sumiu da minha vista. Por muitos anos essa memória me assombrou como um tigre caminhando entre pessoas. Mas lentamente ela foi se apagando, caminhando para longe de mim. Uma desistência, talvez. Não insisti comigo mesmo, não procurei certificar minha memória, perguntando para outros que estavam lá se também tinham visto o tigre. Deixei-o fugir naturalmente, como naquele dia.

sexta-feira, abril 02, 2010

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

nada

Nada para escrever, um ótimo sinal.

Ontem sonhei com o passado e acordei com o presente. Um ótimo sinal.

domingo, janeiro 31, 2010

de uma conversa com Rafael

Temos vivido sob um céu
de technicolor,
você bem disse.

Esta vida de cores artificiais,
nuvens rosas artificiais.
O chão escuro e falso que piso
(cadafalso,
lapso de espaço
entre ruínas, entre palavras)

Nossos olhos preto-e-branco
nada podem contra o mundo,
e nem estas palavras,
nem algum gesto à Arthur ou Brancaleone.

Mas nada adianta também
responder ao mundo com rudeza,
nada que tente desfazer os pactos diários,
que o sol, pastor dos dias, vai perdendo de seu rebanho,
nada que soe como desespero, desdém,
as palavras e cores que guardamos
nos desvãos da casa
ou qualquer canto que aprendemos a chamar de lar.

Nós, que no desterro de outros céus
agora desaprendemos suas cores.

Nós, que avançamos os dias
como uma marcha rumo a precipícios
e outras noites,
onde as cores artificiais
ganham ar de verdade
e o sons com hálito de álcool
florescem e fenecem em ouvidos sujos
mas puros, espero,
ingênuos,
todos refletindo e sendo iluminados
por estas cores.

Nós, que às vezes chamamos de sol
os postes amarelos e as luzes dos faróis.
Nos livram de algumas rochas,
criam caminhos, algumas pontes,
alguns píeres...
Mas quem somos nós
para separar o real do ilusório?
O verde do verde, o azul do azul?
As noites da noite?

Mas quem somos nós?

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Vozes

Já era sabido
do estampido de pólvora seca de sua voz
percorrendo-me até a raiz dos meus pés,
fixando ao chão minha gravidade pessoal,
órbita particular e livre
(prisão seria a fuga,
um mundo inteiro de exílio,
hesitação, portas demais).

Já era sabido
do rugido incapaz de rasgar janelas.
Não se matava um leão por dia,
os colocava para dormir com doses
de voz mansa e promessas de outras
manhãs.

(Sempre haverão outras manhãs,
e depois mais outras,
escondendo as noites atrás das pálpebras.)

E mais palpável do que o já sabido
só o improvável riso no meio da rua,
rio,
as águas inundam todas as vozes.
(Embargam a minha)

domingo, janeiro 10, 2010

guardanapos de papel - milton

Na minha cidade tem poetas, poetas
Que chegam sem tambores nem trombetas
Trombetas e sempre aparecem quando
Menos aguardados, guardados, guardados
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados
Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
Onde vivem com seus pares, seus pares
Seus pares e convivem com fantasmas
Multicores de cores, de cores
Que te pintam as olheiras
E te pedem que não chores
Suas ilusões são repartidas, partidas
Partidas entre mortos e feridas, feridas
Feridas mas resistem com palavras
Confundidas, fundidas, fundidas
Ao seu triste passo lento
Pelas ruas e avenidas
Não desejam glorias nem medalhas, medalhas
Medalhas, se contentam
Com migalhas, migalhas, migalhas
De canções e brincadeiras com seus
Versos dispersos, dispersos
Obcecados pela busca de tesouros submersos
Fazem quatrocentos mil projetos
Projetos, projetos, que jamais são
Alcançados, cansados, cansados nada disso
Importa enquanto eles escrevem, escrevem
Escrevem o que sabem que não sabem
E o que dizem que não devem
Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas
Como se fossem cometas, cometas, cometas
Num estranho céu de estrelas idiotas
E outras e outras
Cujo brilho sem barulho
Veste suas caudas tortas
Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas
Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares
De palavras retrocedendo-se confusas, confusas
Confusas, em delgados guardanapos
Feito moscas inconclusas
Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
E sendo eles poetas de verdade
Enquanto espiam e piram e piram
Não se cansam de falar
Do que eles juram que não viram
Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas
Lançadas ao espaço e ao mundo inteiro
Inteiro, inteiro, fossem vendo pra
Depois voltar pro Rio de Janeiro

quinta-feira, dezembro 31, 2009

fim de ano

Todas as fomes que o ano não quis,
Todas as vezes que meu nome partiu,
Em dois, em mil,
Em fins,
E depois cresceu, letra por letra,
Em ois, nas noites tortas
Em homenagens ao que foi,
Nos dias ricos em tchaus,
No mal que renasce todo dia,
No que insiste em vir,
Aquilo que existe no que vai.
E mais e mais e mais,
Meu nome que é menos, menos,
Depois mais e mais,
Até que eu me esqueça de tudo,
E todos os rituais de morte
Só tragam tudo à tona,
Tudo que fica e sobrevive,
O sim,
Todos os sins.

sábado, dezembro 26, 2009

confusões

não soubesse a distância,
umas esquinas, ruas tantas,
tontas idéias em fina estampa

torta lua que canta
em voz míngua,
sina de uma maneira
extinta de sentir
o tempo, manta
dos ponteiros,
mantra, rochedos
e madeira,
matéria-prima, língua,
cedos e tardes,
medos e fardos –
farsa de uma vida
sem arremedos.
Facas e flechas
Contra um alvo
Fácil e fértil,
Multiplicando-se em mil
Dez, cem mil
Até o fim.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Vícios

o sol queima entre meus dedos
e sopro algo de mim ao mundo.

Do copo vem um sol que desce
queimando o peito e meus olhos.

E o dia continua escuro.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Hard feelings - P.L.

Oceans,
emotions,
ships, ships,
and other relationships,
keep us going
through the fog
and wandering mist
What is it
that I missed?

sexta-feira, dezembro 11, 2009

poema-qualquer-coisa-work-in-progress

alguns escuros segundos
de silêncio

meus olhos percorrendo
seu rosto
colhendo semelhanças e
diferenças

até chegar nos olhos dela
(ela fazia o mesmo,
me percorria)

perguntas banais: como está a vida?
o trabalho, os dias ainda passam
como os dias passavam antigamente?

(noites que nunca foram tão azuis
como antes,
os dias sem sol que nunca foram cinzas,
o antes que nunca mais haverá,
todas as perguntas feitas que
não esperam respostas,
poças de chuva que explodem para qualquer
pé estranho)

nela havia algo de verão,
apesar do vento e da chuva
que parecia nascer do asfalto

e o hesitante tchau,
mãos recolhidas, olhos baixos,
sorrisos sinceros, pesarosos

(e a estranha sensação de totalidade,
suspensão do mundo do tempo,
da dualidade,
bom e ruim, como uma imensa
bola azul feita
de verão, chuva e vento)

sexta-feira, dezembro 04, 2009

trecho de Madona, de Rubem Fonseca

A viagem de volta foi feita em quase silêncio. Que maravilha, disse alguém. Pedrinho dirigia devagar e não estalava os dedos. Disse, não devemos contar para mais ninguém senão todo mundo vai querer fazer isso e não vai dar mais pé.
Paramos próximo da casa de Gina, numa rua escura. Pedrinho beijou Gilda, mas nenhum dos dois estava lá muito fanático; pararam e ficaram fumando. E eu? Eu, cujos planos emergiram todos do fundo da minha cabeça; confuso: uma mulher, uma mulher, que fosse sábia, forte, tivesse calor e energia, que espremesse de dentro de mim o berne frio que ocupava um espaço da minha vida, me fizesse esquecer coisas que eu não lembrava, me afogasse, me cansasse, me deixasse arriado e acima de tudo fosse enorme, absoluta e envolvente como a terra que cobre a sepultura.
Olhei para a moça do meu lado; ah! Gina!, pensei, não é você, não é nada disso. O rosto dela ainda estava meio sujo, uma seujeira feita de sangue Helena Rubinstein que o lenço não conseguira apagar de todo. Não é você, Gina, não é ninguém, não é, não é!
Não é o quê? perguntou Gina. Com licença, disse eu, e fui empurrando, pisei no pé dela, ficou maluco? espremi Gilda, saí.
Saí e fui andando pro lugar onde eu morava, sentindo. Quando eu ficar mais velho isto passa; se eu ficar mais velho. Na porta do meu edifício vi que não estava sozinho. Boa noite, e disse e ela me olhou sem responder. Você trabalha aqui?, perguntei. Ela respondeu, trabalho no quarto andar. Eu disse, vem cá, quero falar com você, e caminhei para as escadas, ela me seguindo. Subimos. Paramos no escuro. Como é teu nome? Marli. Fiz com que ela me excitasse, dei instruções precisas que ela executou docilmente; possui-a, ambos em pé, curvados, como os dois bichos que éramos; suas mãos me agarravam com força, seu corpo tremia da posição e da ânsia, um gemido se expandia dentro do seu peito como se fosse vapor de água fervendo; nesse instante de apogeu sua boca procurou a minha, mas eu virei meu rosto: como se aquilo fosse doer?, como se aquilo fosse me perder? – também, mas principalmente como se aquilo fosse me roubar.
Ela ajeitou suas roupas. Disse, meu bem, e isso me deixou arrepiado, pois naquele momento eu era mesmo o bem dela e o meu bem qual era? Disse, vai embora, não faz barulho; ela sussurrou, amanhã?, enquanto tirava os sapatos. Não respondi.
Desci as escadas, voltei para o hall de entrada, peguei o elevador, entrei no apartamento, tirei a roupa, fui ao banheiro, me lavei, deitei na cama.
E na cama pensei, comecei pensando: dei azar, dei azar, - dei azar, dei azar, dei azar – como carneirinhos pulando uma cerca, a coisa não acabava mais e eu não dormia, e enquanto isso esse pensamento ia assomando, algo que me espreitava no escuro do meu quarto: o ruim do mundo eu ainda não tinha visto, mas faltava pouco, muito pouco, para que isto acontecesse.

quarta-feira, novembro 18, 2009

cais

Nem o primeiro beijo
se apaga,
nem o tempo toma rumo
até a paz
ou outros cais
quaisquer.

Qual começo quer?
Qual fim escolhe,
o do dia ou da noite?

Besteiras, maneira de dizer.
Tolices, Alices na Wonderland
que ninguém mais sente.

segunda-feira, novembro 02, 2009

cherchez la femme - pequenos retratos

Era ruiva como o incêndio que tentava apagar. Tinha olhos rápidos, como cavalos castanhos. Surgia sempre que em meus olhos explodiam faíscas, uma pequena aparição, um timing vacilante, porém tentador. Ela esperava a chuva, os rios, as lâmpadas amarelas de mercúrio. Ela sempre esperava. Na verdade nem sempre ela tentava apagar os incêndios.

sexta-feira, outubro 30, 2009

cherchez la femme - pequenos retratos

Ela é branca (ela se acha muito branca). Talvez a única neve que conheci em vida. Ou muita luz. Ou cegueira. São muitos os pontos de vista, são muitos os meus olhos. E mesmo assim eles insistem em vê-la sempre de forma inédita (flocos de neve refletindo as cores do arco-íris, uma por uma).

sábado, outubro 24, 2009

Hilda Hilst

Ser terra
e cantar livremente
o que é finitude
e o que perdura.

Unir numa só fonte
o que souber ser vale
sendo altura.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Divagações sobre um cacto em forma de coração

Um coração de espinhos acende o centro da sala,
luz sobreposta nos poços de sombra,
penumbra escorrendo pela parede
feito um rio desalinhado.

Talvez fossem resquícios de sonhos,
antigos vícios, outras luzes,
outras paisagens.

(um coração em forma de cacto,
ou um pacto contra o deserto dos dias)

Talvez uma lembrança que ali nasce,
logo antes de acontecer.
Uma surpresa aguardando sua vez,
pequenas revoluções que não entram
nos livros de história.

Um coração de espinhos nasce no centro da sala,
e um dia nascerá como outra luz, vício saudável,
uma nova paisagem.

(os espinhos nada mais são que raios de luz
congelados em seu início,
resquício do tempo inerte e inacessível:
o Tempo)