quinta-feira, dezembro 31, 2009

fim de ano

Todas as fomes que o ano não quis,
Todas as vezes que meu nome partiu,
Em dois, em mil,
Em fins,
E depois cresceu, letra por letra,
Em ois, nas noites tortas
Em homenagens ao que foi,
Nos dias ricos em tchaus,
No mal que renasce todo dia,
No que insiste em vir,
Aquilo que existe no que vai.
E mais e mais e mais,
Meu nome que é menos, menos,
Depois mais e mais,
Até que eu me esqueça de tudo,
E todos os rituais de morte
Só tragam tudo à tona,
Tudo que fica e sobrevive,
O sim,
Todos os sins.

sábado, dezembro 26, 2009

confusões

não soubesse a distância,
umas esquinas, ruas tantas,
tontas idéias em fina estampa

torta lua que canta
em voz míngua,
sina de uma maneira
extinta de sentir
o tempo, manta
dos ponteiros,
mantra, rochedos
e madeira,
matéria-prima, língua,
cedos e tardes,
medos e fardos –
farsa de uma vida
sem arremedos.
Facas e flechas
Contra um alvo
Fácil e fértil,
Multiplicando-se em mil
Dez, cem mil
Até o fim.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Vícios

o sol queima entre meus dedos
e sopro algo de mim ao mundo.

Do copo vem um sol que desce
queimando o peito e meus olhos.

E o dia continua escuro.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Hard feelings - P.L.

Oceans,
emotions,
ships, ships,
and other relationships,
keep us going
through the fog
and wandering mist
What is it
that I missed?

sexta-feira, dezembro 11, 2009

poema-qualquer-coisa-work-in-progress

alguns escuros segundos
de silêncio

meus olhos percorrendo
seu rosto
colhendo semelhanças e
diferenças

até chegar nos olhos dela
(ela fazia o mesmo,
me percorria)

perguntas banais: como está a vida?
o trabalho, os dias ainda passam
como os dias passavam antigamente?

(noites que nunca foram tão azuis
como antes,
os dias sem sol que nunca foram cinzas,
o antes que nunca mais haverá,
todas as perguntas feitas que
não esperam respostas,
poças de chuva que explodem para qualquer
pé estranho)

nela havia algo de verão,
apesar do vento e da chuva
que parecia nascer do asfalto

e o hesitante tchau,
mãos recolhidas, olhos baixos,
sorrisos sinceros, pesarosos

(e a estranha sensação de totalidade,
suspensão do mundo do tempo,
da dualidade,
bom e ruim, como uma imensa
bola azul feita
de verão, chuva e vento)

sexta-feira, dezembro 04, 2009

trecho de Madona, de Rubem Fonseca

A viagem de volta foi feita em quase silêncio. Que maravilha, disse alguém. Pedrinho dirigia devagar e não estalava os dedos. Disse, não devemos contar para mais ninguém senão todo mundo vai querer fazer isso e não vai dar mais pé.
Paramos próximo da casa de Gina, numa rua escura. Pedrinho beijou Gilda, mas nenhum dos dois estava lá muito fanático; pararam e ficaram fumando. E eu? Eu, cujos planos emergiram todos do fundo da minha cabeça; confuso: uma mulher, uma mulher, que fosse sábia, forte, tivesse calor e energia, que espremesse de dentro de mim o berne frio que ocupava um espaço da minha vida, me fizesse esquecer coisas que eu não lembrava, me afogasse, me cansasse, me deixasse arriado e acima de tudo fosse enorme, absoluta e envolvente como a terra que cobre a sepultura.
Olhei para a moça do meu lado; ah! Gina!, pensei, não é você, não é nada disso. O rosto dela ainda estava meio sujo, uma seujeira feita de sangue Helena Rubinstein que o lenço não conseguira apagar de todo. Não é você, Gina, não é ninguém, não é, não é!
Não é o quê? perguntou Gina. Com licença, disse eu, e fui empurrando, pisei no pé dela, ficou maluco? espremi Gilda, saí.
Saí e fui andando pro lugar onde eu morava, sentindo. Quando eu ficar mais velho isto passa; se eu ficar mais velho. Na porta do meu edifício vi que não estava sozinho. Boa noite, e disse e ela me olhou sem responder. Você trabalha aqui?, perguntei. Ela respondeu, trabalho no quarto andar. Eu disse, vem cá, quero falar com você, e caminhei para as escadas, ela me seguindo. Subimos. Paramos no escuro. Como é teu nome? Marli. Fiz com que ela me excitasse, dei instruções precisas que ela executou docilmente; possui-a, ambos em pé, curvados, como os dois bichos que éramos; suas mãos me agarravam com força, seu corpo tremia da posição e da ânsia, um gemido se expandia dentro do seu peito como se fosse vapor de água fervendo; nesse instante de apogeu sua boca procurou a minha, mas eu virei meu rosto: como se aquilo fosse doer?, como se aquilo fosse me perder? – também, mas principalmente como se aquilo fosse me roubar.
Ela ajeitou suas roupas. Disse, meu bem, e isso me deixou arrepiado, pois naquele momento eu era mesmo o bem dela e o meu bem qual era? Disse, vai embora, não faz barulho; ela sussurrou, amanhã?, enquanto tirava os sapatos. Não respondi.
Desci as escadas, voltei para o hall de entrada, peguei o elevador, entrei no apartamento, tirei a roupa, fui ao banheiro, me lavei, deitei na cama.
E na cama pensei, comecei pensando: dei azar, dei azar, - dei azar, dei azar, dei azar – como carneirinhos pulando uma cerca, a coisa não acabava mais e eu não dormia, e enquanto isso esse pensamento ia assomando, algo que me espreitava no escuro do meu quarto: o ruim do mundo eu ainda não tinha visto, mas faltava pouco, muito pouco, para que isto acontecesse.

quarta-feira, novembro 18, 2009

cais

Nem o primeiro beijo
se apaga,
nem o tempo toma rumo
até a paz
ou outros cais
quaisquer.

Qual começo quer?
Qual fim escolhe,
o do dia ou da noite?

Besteiras, maneira de dizer.
Tolices, Alices na Wonderland
que ninguém mais sente.

segunda-feira, novembro 02, 2009

cherchez la femme - pequenos retratos

Era ruiva como o incêndio que tentava apagar. Tinha olhos rápidos, como cavalos castanhos. Surgia sempre que em meus olhos explodiam faíscas, uma pequena aparição, um timing vacilante, porém tentador. Ela esperava a chuva, os rios, as lâmpadas amarelas de mercúrio. Ela sempre esperava. Na verdade nem sempre ela tentava apagar os incêndios.

sexta-feira, outubro 30, 2009

cherchez la femme - pequenos retratos

Ela é branca (ela se acha muito branca). Talvez a única neve que conheci em vida. Ou muita luz. Ou cegueira. São muitos os pontos de vista, são muitos os meus olhos. E mesmo assim eles insistem em vê-la sempre de forma inédita (flocos de neve refletindo as cores do arco-íris, uma por uma).

sábado, outubro 24, 2009

Hilda Hilst

Ser terra
e cantar livremente
o que é finitude
e o que perdura.

Unir numa só fonte
o que souber ser vale
sendo altura.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Divagações sobre um cacto em forma de coração

Um coração de espinhos acende o centro da sala,
luz sobreposta nos poços de sombra,
penumbra escorrendo pela parede
feito um rio desalinhado.

Talvez fossem resquícios de sonhos,
antigos vícios, outras luzes,
outras paisagens.

(um coração em forma de cacto,
ou um pacto contra o deserto dos dias)

Talvez uma lembrança que ali nasce,
logo antes de acontecer.
Uma surpresa aguardando sua vez,
pequenas revoluções que não entram
nos livros de história.

Um coração de espinhos nasce no centro da sala,
e um dia nascerá como outra luz, vício saudável,
uma nova paisagem.

(os espinhos nada mais são que raios de luz
congelados em seu início,
resquício do tempo inerte e inacessível:
o Tempo)

domingo, outubro 18, 2009

poema antigo - Primeira indagação

Qual, a primeira saudade?
(se é que podemos numerá-las –
talvez tudo seja uma face da saudade,
da mesma saudade)

Qual é o ponto inicial, o primeiro
gesto ou palavra,
que desencadeia uma rede de sentimentos
que se encontram em um só?

Talvez o ato inaugural,
o primeiro foguete à lua,
a visão da terra azul,
a primeira bandeira no cume,
talvez sejam estes o primeiro crime:

estar fora de órbita
quando tudo ainda é alcançável,
saber que sentirá saudades.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Esboço para a história de Matias - parte 1

Se eu pudesse ter acesso, poderia ser apenas por alguns minutos, a como ela pensa e funciona. Como destrinchar um relógio, conhecer cada engrenagem, me habituar a elas, ver o que há por trás de cada peça, depois juntá-las, agora fazendo que o tempo seja outro. Deve haver uma ordem secreta das coisas, se um relógio for alterado, todos os outros se alterarão também, para sempre.

Matias correu pelo parque, querendo ser outro. Já havia uma semana que corria regularmente pelas manhãs, dando voltas e mais voltas, do ponto A ao B, voltando ao A e assim ia, rodando como um ponteiro, exato em toda sua tentativa de mudar, outra vida, outros ares. Brincava com os cachorros e sorria para as donas, que passeavam com suas longas pernas expostas ao verão. Mas era tudo mecânico, como um relógio.
Não importava quantas voltas desse, uma hora teria que voltar para sua casa. Corria o quanto dava, transpirava até derreter, menos si mesmo, se misturando a tudo e todos do parque, mas não havia fuga.
Em casa, olhava fixamente o computador. O editor de texto aberto, transcrevia a fala cadenciada do entrevistado, um fotógrafo social que agora falava de seu trabalho rotineiro. O casamento dos outros, a formatura do filho dos outros, o batizado, as bodas, o aniversário de cem anos da bisavó de alguém. Participando ao não participar da vida dos outros. Aos poucos, Matias percebeu que só escutava, não mais digitava as palavras do entrevistado.

Um biólogo realmente sabe das plantas? Pode saber de todos seus mecanismos, como se reproduzem, se alimentam, como conseguem sobreviver a um ambiente fértil ou hostil, tudo. Mas não acho que realmente saibam o que é uma planta. A vida da planta não se explica biologicamente. Um jardineiro sabe muito mais da vida do que um biólogo.

Deixou o computador, foi até o jardim da sua casa. João, que dividia a casa com Matias, havia acordado e já começara seu ritual diário: música alta, acompanhando a música com um péssimo inglês. Bom humor demais, quase euforia. Não era possível que fosse tudo sincero. Matias, com uma grande tesoura de jardinagem, caminhava para suas plantas, o que mais lhe dava prazer ultimamente. Cuidar das plantas. Nada tão objetivo, mesmo envolto em tanto mistério. Ali achava que exercia um certo controle. Se não controle, influência direta. Elas dependiam dele, ele dependia delas. Imaginava que o sentimento deveria ser parecido com o de ter um filho, mas não saberia. Não os tinha, a futura mãe de seu filho não poderia mais ser a futura mãe de seus filhos, não tinham mais nada, nem mais se olhavam nos olhos direito, quando se cruzavam nos bares comuns, nas ruas comuns aos dois. Voltar às plantas, se concentrar nas plantas. Elas precisavam dele, ele precisava delas.

Ela deve estar olhando através duma janela agora, para uma paisagem que passa e deixa algumas coisas. Ela pensa em mim, quando pensa em si, nas árvores que cortam a vista, sumindo e voltando? Todas as árvores a árvore. Todas a mesma árvore. Música nos ouvidos, flutuando dentro do ônibus, fugindo de algo, voltando para a outro. De qualquer maneira, para longe daqui. Preciso escrever para ela, falar das entrevistas, das plantas, das corridas matinais, das eleições, criticar o prêmio Nobel, perguntar de seu pai, falar de minha mãe, comentar das gérberas que morreram e das que vão nascer. Qualquer coisa, mas sei que não vou falar nada.

Matias enfiou a mão na terra fofa e a deixou ali por alguns instantes, sentindo o frio da terra contra o calor excessivo. João apareceu na janela e acabou com o silêncio reflexivo de Matias, ao cantar para ele um samba-canção, como se fosse a Julieta do alto da janela quem declamasse para um Romeu apaixonado lá embaixo. Matias riu.

mutação

só pensando (e lembrando) em como o mesmo sentimento vai mudando como um sonho, que dispensa regras de continuidade e lógicas simples. Um dia é cansaço, no outro saudade, depois raiva, aí volta saudade, aí é saco cheio, depois sorriso discreto, esperança, que vira luto. Isso nos dias que você consegue dar nomes e limitar o que está sentindo. Mas é constante e é um sentimento só.

segunda-feira, outubro 12, 2009

Rastros

Como seguir rastros de tornados,
determinar início e fim,
encontrar caminho no caos,
que só o centro,
o olho (“The I of the hurricane”),
vê.

Tarefa impossível que a escrita
confunde em pistas falsas.
outras mãos escrevem a história,
não estas.
Outros olhos fixos no centro do giro,
não estes.
(quase uma comédia com Peter Sellers
ou uma foto de Koudelka –
estar fora do lugar como
o máximo do estar)

Como andar por ruas iguais,
entre adolescentes e executivos iguais,
todos com cabelos iguais e o mesmo olhar.
E o medo de tudo ser espelho ou
janela para um tempo dividido,
irreconciliável.

Um tempo em que eu não mais
me distanciasse, nem tivesse
o faro dum detetive livresco
ou qualquer herói eleito.
Este tempo quebrado,
de trechos de filmes
(imagens soltas sem sopro ou surpresa),
de frases perdidas, imperdoáveis
(Hamlet escalando a montanha mágica,
Leopold Bloom caminhando pelo Rio de Janeiro).
O Tempo que se pensava indivisível,
o maior e primordial átomo,
agora em estilhaços
(ou esteve despedaçado, ou estará,
quem sabe? Quem está fora do pesadelo
e realmente sabe?
Como aquela vez em que estive num jardim sem vento
ou na pedra que apontava para morros milhares de metros
abaixo.)

Pensar então fora do tempo
– impossível como perseguir tornados –
mas tentamos, eu tento.

E separo-me de todos os outros,
dos espelhos, do tornado, das janelas,
gerânios, guerras, gueixas, carros,
costas e mares, amores, peixes, flechas,
e choros.
Separo-me das chaves, das vistas, cheiros, dores,
dia-a-dia, poemas pela metade, noites e mortes
pela metade...
Tudo se misturando até perder os nomes,
as linhas divisórias, anti-geografia
da linguagem, anti-literatura
das bocas, o calar da história
dos ouvidos.

Até que desapareçam todos os rastros do tornado.
Quando a calmaria baixar sobre as cidades
e cegar os postes e faróis,
não haverá nem olho para que isso exista,
e o tempo voltará a reinar,
imperativo.

sábado, outubro 10, 2009

Mantra

Estar perdido nas próprias palavras,
quando se acorda logo de manhã e
o sol já desistiu da janela.
Nenhum traço de luz nos lençóis,
nem de voz no vão do quarto.

Cada vogal toma seu tempo
e erra.
Cada consoante interrompe o ar
e erra.

Errante entre o espaço exíguo,
(a vida às vezes venta leve
e violenta os olhos cansados)
exilado, exímio em não saber
estar, estando como pode,
até não mais caber em si.
Buscar um nós que não mais está...

Ao tatear palavras tatuadas no corpo,
no torso arqueante,
que respira a vida leve e a devolve
pesada, pesada.

Pé após pé,
o mantra que canta
enquanto a melodia
se cansa.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Robert Capa por Michael Mann

Comecei a postar no blog da livraria cultura

http://cultura.updateordie.com

terça-feira, outubro 06, 2009

"Cuántas luces dejaste encendidas" de Hugo Gutierrez Vega

Un amor sentencioso alzó la mano
y señaló el camino hacia lo incierto,
hacia lo que no fue, hacia esa nada
que en la mitad del pecho va latiendo
como el corazón falso de la vida, vuelto piedra
y la piedra en el campo va gritando.

La cantina y su rincón oscuro,
las palabras cansadas de rogarle,
el círculo dejado por la copa,
la pedida canción, el abandono
y ese perdido amor con el tequila
servido ya cuando la noche pide
sólo one for my baby and
one more for the road
.

Todo se junta en la canción dolida,
hay un stormy weather
y a la casa encendida volverán los amores;
ella regresa y si no regresara
intentar apagar todas las luces
será tarea emprendida por la muerte.
"El esplendor tan encendido antaño"
no volverá y no hay que entristecerse,
quedaron muchas luces encendidas
y se amanece siempre entre sus brazos.

terça-feira, setembro 29, 2009

pedido ao tempo

há de ser ouvido por mim
seus compassos escuros, no estalo,
e claros, no silêncio

há de ser absorvido nos poros
as gotas de esquecimento
e estrelas de memória
que correm em suas lacunas

há de ser construído uma enorme
estalactite ou castelo de areia,
iguais na forma
e distintos na pedra,
suas duas faces

há de ser exato nas mãos
e transbordante nos olhos,
provendo outra pele
a cada piscar de pálpebra
(acendendo e apagando o mundo,
testando sua continuidade)


há, por fim, de emprestar
sua constância aos meus gestos,
aos meus gritos,
e sua fluência à verborragia
de meu silêncio
(e que se desfaça em seu fio
outro fio, mas fino e frio,
que ligue meus olhos a todos os nomes)

quinta-feira, setembro 24, 2009

Da janela do quarto

Da minha janela vejo,
em primeiro plano, a árvore,
nascida em solo insólito,
e, longe, onde a chuva cessa,
o prédio abandonado.

Mais do que a própria chuva,
inconstante em sua semelhança,
ligam-se os dois elementos enquadrados
na esquadria da janela:

ambos falam de um passado esfumaçado,
sente-se o abandono nas folhas
onde palavra nenhuma foi escrita,
e nos galhos, raízes aéreas, perdidas
no desterro do ar.

Sente-se vida no prédio abandonado,
nas plantas abismando o concreto,
vitória do abstrato, onde não havia
imaginação nem viço,
fantasmas do que ali já se passou.

Hoje a chuva fez muito, ligando para mim
as imagens que nunca vi, como se a janela
da sala fosse na verdade a de um trem,
que passa e esquece...

(a soma de dois elementos, somando
um terceiro, o escondido, o escuro
de dentro, um sumiço, um possível...)

quarta-feira, setembro 23, 2009

Fome

Historinha contada no Mad Men dessa semana:

Algumas cobras podem ficar meses sem comer nada, mas quando conseguem alguma coisa, elas estão com tanta fome que sufocam enquanto estão comendo.

domingo, setembro 20, 2009

Troca

Substituir uma voz,
Raiz dos problemas e da ânsia.
Trocar um abraço por outro,
Novo, outras mãos que procuram
A mesma fome, insubstituível.

Outros olhos olhando o mesmo.
Novos passos conhecendo os pés
Cansados da instabilidade da água,
Buscando terra, querendo novas pistas
De vôo, marcando outras trilhas
Em areias cambiantes.

Outro peito onde pousará a cabeça
Cansada dos sonhos escuros,
(será que ainda sonha comigo?
- o rosto do passado no sem tempo
Do sono – eu a invadir camas estranhas)

E agora ao cruzar as ruas
De um novo labirinto,
Perdida ou encontrada na velha cidade
Que despertou de novo,
Nomeando cada árvore para outro ouvido,
Rindo dos cachorros trôpegos,
Esquivando-se dos carros bêbados,
Sorrirá por um amor escolhido
Entre milhões, entrevado até os postes
Iluminarem estas novas decisões.

(Quantos relógios são necessários
Para se apagar um rosto?
Quantos sóis boiando no céu
Para se escurecer uma voz?
Quantas estradas para enterrar
Os pés cansados, as mãos hesitantes?)

Tudo de novo, a mesma história,
Mesmo medo, desejos e discórdias,
Diásporas e depois o começo, igual,
Agora com novo nome.

terça-feira, setembro 15, 2009

na amurada

saber-se apenas
uma fresta, luz recortada

“o silêncio das janelas”
e o verbo na amurada

as ondas a explodir
no convés, nonada

tempestades ínfimas
em paredes opacas

sem fotos, sem quadros
nem passos, jangadas

náufragas no interior
de uma cama larga

vazia se não fosse um
no início de uma saga

sexta-feira, setembro 11, 2009

outro auto-retrato

pirotecnias do silêncio
em combustão de lago
ou melhor
"educado pela pedra"

terça-feira, setembro 08, 2009

pequeno auto-retrato

o que meus traços não mostram
é que os limites que me moldam
nada mais são que moinhos de vento
combatendo cavaleiros reais

quarta-feira, setembro 02, 2009

Refuge of the road - Joni Mitchell



I met a friend of spirit/ He drank and womanized/ And I sat before his sanity
I was holding back from crying/ He saw my complications/ And he mirrored me back simplified/ And we laughed how our perfection/ Would always be denied/ "Heart and humor and humility"/ He said "Will lighten up your heavy load"/ I left him for the refuge of the roads/ I fell in with some drifters/ Cast upon a beachtown
Winn Dixie cold cuts and/ highway hand me downs/ And I wound up fixing dinner/ For them and Boston Jim/ I well up with affection/ Thinking back down the roads to then
The nets were overflowing/ In the Gulf of Mexico/ They were overflowing in the
refuge of the roads/ There was spring along the ditches/ There were good times in the cities/ Oh, radiant happiness/ It was all so light and easy/ Till I started analyzing/ And I brought on my old ways/ A thunderhead of judgment was/ Gathering in my gaze/ And it made most people nervous/ They just didn't want to know/ What I was seeing in the refuge of the roads/ I pulled off into a forest/ Crickets clicking in the ferns/ Like a wheel of fortune/ I heard my fate turn, turn turn/ And I went running down a white sand road/ I was running like a white-assed deer/ Running to lose the blues/ To the innocence in here/ These are the clouds of Michelangelo/ Muscular with gods and sungold/ Shine on your witness in the/ refuge of the roads/ In a highway service station/ Over the month of June/ Was a photograph of the earth/ Taken coming back from the moon/ And you couldn't see a city/ On that marbled/ bowling ball/ Or a forest or a highway/ Or me here least of all/ You couldn't see these cold water restrooms/ Or this baggage overload/ Westbound and rolling taking/ refuge in the roads

segunda-feira, agosto 24, 2009

cherchez la femme # 11

Ela acredita nos sonhos. Não o óbvio, que os sonhos carregam significados que dizem respeito a algo muito fundo em você, o submerso emergindo quando se deita no escuro do ser. O sonho - o ser não sendo, o quando sem tempo. Ela conta os sonhos como fatos, fotos que são quase inegáveis, o ver não vendo. E quando acorda, o fluxo das imagens não param, só se transformam em palavras vivas, uma após a outra, sonhos vividos. E se alguém matou outro no sonho, é um assassino na vida real. Se alguém pintou um quadro, é um artista na vida real. Mas quando a vida real é um pesadelo, ela gosta de pensar que os sonhos só sabem mentir.

segunda-feira, agosto 10, 2009

Ao redor

Quando eu era mais jovem
e a esperança era uma maçã

as palavras se escolhiam
sem se esconder nas ruínas
da fala, das falhas.

Tudo que escrevia na parede
brilhava como neon
num vórtice que se assemelhava
ao rodar dos dias
ao redor do sol.

Quando ainda nem
cogitava o velho
nem a quebra do mar
- marasmo, maresia,
amar...

Eu sabia dos braços
e pernas das garotas
das bocas e olhos,
todos os fragmentos
que não formavam um todo,
toldo sobre o olhar.

(agora crianças descem
a rampa em círculo
e sobem as escadas fixas,
que mesmo cheirando a
madeira antiga,
levam a algo que é eternamente
novo)

quarta-feira, agosto 05, 2009

melhor resposta

Perguntaram para Gary Winogrand por que ele fotografava, e ele respondeu:

Porque quero ver como determinada coisa fica quando fotografada.

quinta-feira, julho 30, 2009

frase #2

cada flecha atirada para o alto sempre encontra um alvo

frase #1

quando uma porta se fecha, uma janela se cega

quinta-feira, abril 23, 2009

ditado Obijwe

sometimes i go about in pity for myself, and all the while, a great wind carries me across the sky

quarta-feira, abril 22, 2009

catavento e girassol



Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol
Entre o escancaro e o contido, eu te pedi sustenido e você riu bemol
Você só pensa no espaço, eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio, você é litorânea

Quando eu respeito os sinais vejo você de patins vindo na contramão
Mas quando ataco de macho, você se faz de capacho e não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega, nós não ouvimos conselho
Eu sou você que se vai no sumidouro do espelho

Eu sou do Engenho de Dentro e você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio e você é expansiva, o inseto e a flor
Um torce pra Mia Farrow, o outro é Woody Allen
Quando assovio uma seresta você dança havaiana

Eu vou de tênis e jeans, encontro você demais, scarpin, soiré
Quando o pau quebra na esquina, cê ataca de fina e me ofende em inglês
É fuck you, bate bronha e ninguém mete o bedelho
Você sou eu que me vou no sumidouro do espelho

A paz é feita num motel de alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval aumentam os desenganos
Você vai pra Parati e eu pro Cacique de Ramos

Meu catavento tem dentro o vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora o escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade, você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço, você é tão espontânea

Sei que um depende do outro só pra ser diferente, pra se completar
Sei que um se afasta do outro, no sufoco, somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser e eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão no sumidouro do espelho

terça-feira, abril 14, 2009

Nome

Na madrugada,
quando os pombos
voam como morcegos,

e todos os nomes
nos muros não tem rosto
nem voz, nem luz,
apenas sombras de ninguém,
sobras da noite,

e as artes pintadas
só ajudam a erguer outros muros,
são, no fim, apenas outros nomes,
inúteis, o inverso da noite
(que é noite ainda mais escura).

E todos esses nomes não escondem
o fato de que um só nome
realmente
ecoa

e é impronunciável.

domingo, abril 12, 2009

mãos

Uma mão rasga o colchão,
segura meu braço e puxa,
enterrando-me,
cama-cova.
Acordo.

***

Outra mão segura meu rosto,
mão-cega, tateia os lábios,
bochecha, orelha,
chega aos olhos
e entende as pálpebras
ao máximo.
Sonho.

pequena imagem

na janela
a árvore resiste ao vento
e não há nenhum
pássaro que a faça voar

quinta-feira, abril 09, 2009

Canto

Nunca fui capaz
de escrever canções
que pudesse cantar.

Sobraram-me estes versos
de ritmo caduco,
voz de chuva,
de cão, casa queimada
ao rés do chão.

E se pudesse a raiva ter voz,
ou a calma,
alguns pecados ganhariam
perdão.

(estrago, então, minha voz
com cigarros, cerveja,
cachaça.
Coleciono calos,
calafrios
- desato a corda e
me afasto do cais)

The City - Czeslaw Milosz

The city exulted, all in flowers.
Soon it will end: a fashion, a phase, the epoch, life.
The terror and sweetness of a final dissolution.
Let the first bombs fall without delay.

domingo, abril 05, 2009

O artista inconfessável - J.C. de Melo Neto

Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.

quarta-feira, março 11, 2009

Febre

Arde atrás dos olhos
e o olhar.

Arde abaixo dos cabelos,
ao redor das orelhas,
os lábios.

Inclusive o livro que leio
queima em minhas mãos.

Nas páginas surgem formigas,
sobem, descem linhas,
caminham pelo branco
e através,
Entrelaçam,
se lançam do branco rumo
ao abismo do além-livro.

(Espera, não são formigas,
são letras)

domingo, janeiro 11, 2009

outro blog

comecei um blog menos formal que este

vistapromar.tumblr.com