sexta-feira, abril 27, 2007

música?

Me meti a fazer música ultimamente. A sensação é de que fiz as pazes com alguma coisa dentro de mim, que estava dormida. Tento muitas coisas: escrevo, tiro fotos, faço faculdade de cinema. Mas sempre achei que, das artes, a que se comunica mais diretamente com os sentimentos é a música. Ela é abstrata, outra linguagem, tanto para dentro como para fora, seja para ouvir ou fazer, se expressar. E agora ouço as musiquinhas que ando fazendo e pareço conversar comigo mesmo. Pensamentos concretos dialogando com sentimentos abstratos, ouço meu pensamento, vertido em música. É estranho. É estranho e bom.



quarta-feira, abril 25, 2007

Grande Sertão

Acho incrível, a surpresa de encontrar algo que você já pensou na voz de outro, seja gente vivida ou gente criada, como o trecho que vou citar, do Grande Sertão: Veredas:

""Essas são as horas da gente. As outras, de todo tempo, são as horas de todos" - me explicou o compadre meu Quelemém. Que fosse como sendo o trivial do viver feito uma água, dentro dela se esteja, e que tudo ajunta e amortece - só rara vez se consegue se subir fora dela, feito um milagre: peixinho pediu. Por que? Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois."



sábado, abril 21, 2007

"de noite pra quem você é uma luz embaixo da porta?"

o sol me acordou, me tocando no ombro e avisando que o dia há muito havia começado. o corpo pesando mais que o normal, reflexo dos excessos. qual excesso é mais leve? qual memória pode ser reconfortante? qual dia desfaz a noite em mil pássaros? ou em água? ou em cabelos? ou só o mesmo lençol quente de muitos sóis e não de corpos...

quarta-feira, abril 18, 2007

Hotel Toffolo - Drummond

E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes
e outros alimentos.

Como se a cidade não nos servisse o seu pão
de nuvens.

Não, hoteleiro, nosso repasto é interior
e só pretendemos a mesa.
Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
Tudo se come, tudo se comunica,
tudo, no coração, é ceia.

sexta-feira, abril 13, 2007

Czeslaw Milosz

Ganhei o Collected Poems do Czeslaw Milosz, uma bíblia com todas as poesias, de 1931-2001 e só agora, depois de alguns meses, comecei a lê-lo com mais calma. Os poemas são um misto de amargura e busca de redenção, momentos de maravilhamento e terror, momentos de muita fé católica e outros de descrença. Milosz viveu intensamente a segunda guerra mundial e a guerra nunca terminou, para ele. Vou traduzir alguns trecho...

“O verdadeiro inimigo do homem é a generalização.

O verdadeiro inimigo do homem, a assim chamada História,

Atrai e terroriza com seus números plurais.

Não acredite. Esperta e traiçoeira,

A História não é, como disse Marx, anti-natureza,

E se uma deusa, uma deusa do cego destino.”

(Lecture IV)


“Eu a amava, sem saber quem ela realmente era.

Eu infligi dor a ela, buscando minha ilusão.

Eu a traí com outras mulheres, embora fiel somente a ela.

Nós vivemos muita felicidade e tristeza.

Separações, resgates milagrosos. E agora, estas cinzas.

E o mar quebrando na orla enquanto eu caminho pela rua vazia.

E o mar quebrando na orla. E o sofrimento comum.


Como resistir ao nada? Que poder

Preserva o que um dia foi, se a memória não perdura?

Porque eu lembro de pouco. Eu lembro de tão pouco.

De fato, momentos reconstruídos significariam o Julgamento Final

Que é adiado diariamente, por Misericórdia, talvez.


Fogo, libertação da gravidade. Uma maçã não cai,

Uma montanha move-se de seu lugar. Além da cortina de fogo,

Um cordeiro fica no prado de formas indestrutíveis.

As almas no Purgatório queimam. Heráclito, louco,

Vê as chamas consumirem as fundações do mundo.

Acredito na Ressurreição da Carne? Não destas cinzas.”

(Da separação de minha mulher, Janina)


“Imperfeito e ciente disso. Desejando grandeza,

Capaz de reconhecer grandeza onde quer que esteja,

E não exatamente, apenas em parte, clarividente,

Eu sabia o que era guardado para homens menores como eu:

Uma festa de breves esperanças, uma passeata dos orgulhosos,

Um torneio de corcundas, literatura.”

(Uma confissão)

quinta-feira, abril 12, 2007

imaginações improvisadas # 4

Gestos desencontrados que mais pareciam trens descarrilhando. O som era monótono, música de rádio AM às seis da manhã. Gosto de guarda-chuva na boca, goteiras por todo corpo. A cama ainda desarrumada. O lavabo a uma gota de transbordar (adianto que não transbordou). Quando a porta bateu atrás de suas costas, o sol já batia no teto do céu. Ficaram no quarto abraços perdidos e beijos desperdiçados (sem contar o corpo morto).

quarta-feira, abril 11, 2007

o susto

Quanto mais conheço as pessoas, menor é a sensação de saber do mundo. O que poderia virar desespero na verdade vira lição de humildade. Me coloco numa posição de questionar e observar, esperando que algo dê um sinal, que um farol se acenda no horizonte, ou qualquer gota de iluminação me atinja a testa. Mas ainda sim fica o gosto do desentendimento, o medo do não saber o que esperar, o receio da surpresa. E a esperança que essa surpresa se torne, algumas vezes, maravilhamento.

quinta-feira, abril 05, 2007

Andrew Bird - Armchairs

Andrew Bird - Armchairs (para ouvir)

I dreamed you were a cosmonaut
of the space between our chairs
and I was a cartographer
of the tangles in your hair

I sighed a song that silence brings
it's the one that everybody knows
oh everybody knows
the song that silence sings
and this was how it goes

these looms that weave apocryphal
they're hanging from a strand
these dark and empty rooms were full
of incandescent hands

an akward pause
a fatal flaw
time it's a crooked bow
oh time's a crooked bow

in time you need to learn to love
the ebb just like the flow

grab hold of your bootstraps
and pull like hell,
'til gravity feels sorry for you,
and lets you go

as if you lack the proper chemicals to know
the way it felt the last time you let yourself
fall this low
time
oh time
it's a crooked bow
time's a crooked bow

fifty-five and three-eighths years later
at the bottom of this gigantic crater
an armchair calls to you
yeah this armchair calls to you
and it says that
some day
we'll get back at them all
with epoxy and a pair of pliers
as ancient sea slugs begin to crawl
through the ragweed and barbed wire

you didn't write you didn't call
it didn't cross your mind at all
and through the waves
the waves of a.m. squall
you couldn't feel a thing at all
your fifty-five and three-eighths tall
fifty-five and three-eighths tall

time

quarta-feira, abril 04, 2007

da impulsividade 2

O vento, para se acalmar, precisa derrubar cercas, árvores e postes, mudar a rota dos pássaros e jogar as ondas sobre as pedras e o calçadão.

terça-feira, abril 03, 2007

da impulsividade

A impulsividade deixa um gosto de lâmina na boca. A língua, sangrando, não consegue proferir nenhuma palavra audível. Os músculos tensos da face formam uma expressão desconhecida, como se o cérebro mandasse sinais tão rápidos que os músculos do corpo parecem não conseguir reagir, mas é você que não percebeu, tudo foi mais rápido que olho. A mão de um prestidigitador que não entretem, mas que te dá um tapa no rosto.

segunda-feira, abril 02, 2007

As pedras de toque da canção

No blog Tocatudo, do site nomínimo, Paulo Roberto Pires citou um livro de José Lino Grünewald, onde ele fez uma antologia de versos, e não de poesias completas. Chamou esses versos, que julga felizes na construição de uma imagem ou da própria poesia, de "pedras de toque".

No blog, Paulo Roberto começou uma brincadeira, citando algumas "pedras de toque" da música. Gostei da brincadeira e escolhi algumas coisas. Acho que esta brincadeira continuará em posts futuros.

"I'll try to keep myself open up to you
That's a promise that I made to love
When it was new
"Just like Jericho" I said
"Let these walls come tumbling down" "
(Joni Mitchell - Jericho)

"A tua presença
Se espalha no campo derrubando as cercas"
(Caetano Veloso - A tua presença)

"Pra quem você tem olhos azuis
E com as manhãs remoça
E à noite, pra quem
Você é uma luz
Debaixo da porta?"
(Chico Buarque - Você, Você)

"Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos"
(Caetano Veloso - Oração ao tempo)

"Deja el recuerdo caer
como un fruto por su peso."
(Jorge Drexler - Zamba de Olvido)

"A voz mais rouca,
e os beijos,
cometas percorrendo o céu da boca..."
(João Bosco e Aldir Blanc - Latin lover)

domingo, abril 01, 2007

da criação

Depois de meses sem escrever uma linha de algum conto, ontem escrevi quatro páginas à partir de uma idéia que há muito voava pela cabeça. Um parênteses - idéias sempre são muitas, é questão de prestar atenção em conversas de amigos, em histórias que te contam, pessoas na rua, filme, música, tudo é um ponto de partida. E o problema da idéia é que é apenas isso, um ponto de partida. O resto é trabalho, onde tenho muita dificuldade. Exige disciplina, disponibilidade, um certa tipo de entrega. Como uma alternativa ao mais fácil, estou tentando buscar o outro, nas últimas coisas que escrevi. O conto que estou escrevendo é sobre a família de uma garota de 14, 15 anos, e é narrado em primeira pessoa. Será que consigo escrever as impressões de uma garota adolescente? Provavelmente não, mas o que vale é a tentativa, é a parte divertida, é onde me vejo crescendo, sendo obrigado a expandir. E esta idéia partiu de uma conversa, pesquei uma história e fiquei com ela na cabeça. O problema é que era essencialmente uma história leve, cheio de leveza, e quando comecei a pensar sobre, a resolução do conto seria em torno disso, algo leve, quase edificante. E não quero que acabe assim, quero que seja mais denso. Então a tentativa agora é de deixar que essa história ganhe peso, gradualmente, uma família vista por uma adolescente. Será que consigo? Acho que não =P

Me perdi enquanto escrevia. O que queria dizer é que a criação é realmente algo mágico. Fico contaminado por um conto, enquanto o escrevo. Parece que o mundo começa a passar por um filtro, como se nossos olhos se tornasse um funil que tenta resumir a vivência cotidiana em palavras de um outro que não existe, mas que vai ganhando corpo e páginas.

Enfim, se no final das contas eu não ficar satisfeito com o resultado do conto, ou não conseguir alcançar o que estou almejando com ele, pelo menos ele serviu para me acordar de meses de apatia (literariamente falando), me lembrou como a criação causa uma inquietação que é ao mesmo tempo prazerosa e dolorosa.