Banal
Mais parecia que ela ia me bater, mas ela recolheu as mãos nos bolsos e andou para longe. Ah, doeu bem mais do que qualquer tapa. Ou seria um soco? Acho que as mulheres podem ser dividas nessas duas categorias: as que dão tapas – delicadas e sutis, as mais perigosas; e as que dão socos – claras e diretas, você sabe em que terreno está pisando. Recapitulando, acho que ela daria um tapa. E não deu, o que achei estranho. Deve ser algo masoquista em mim, mas sempre tento tirá-la do sério, e ela, esperta, me tira antes, sai andando, esconde as mãos que quero em meu rosto de qualquer maneira, tapa ou carícia. Outro dia falei mal de sua mãe. Eu sabia que ela ficaria muito brava, puta mesmo, o suficiente pra mandar eu ir me fuder ou me virar um tapa, mas não, ela me olhou frio e disse que eu só falo merda. Adoro quando ela fala palavrão. Na boca dela tem o peso de um container. Só na boca dela os palavrões ainda não se banalizaram. Nela nada é banal, talvez por isso quero tanto que ela desça do salto, mas parece impossível. Nela nada é banal... Hoje, quando achei que ela me bateria, eu gritei com ela, por nada, e apertei seus braços com o intuito de deixar a marca de meus dedos em seu braço branco de neve. Ela o tirou de minha mão, com uma força que eu não conhecia, e me olhou com aquele olhar frio, velho conhecido. Esperei os palavrões e veio silêncio. Falei algo, balbuciei qualquer palavra pela metade, mas acho que ela nem ouviu, já estava andando para longe. Agora estou esperando o dia seguinte, torcendo para que esta não tenha sido a última oportunidade de irritá-la, de tirá-la do sério. Ainda consigo. Ela não tem o direito de banalizar o mundo inteiro e não descer do pedestal onde a coloquei.