sexta-feira, dezembro 04, 2009

trecho de Madona, de Rubem Fonseca

A viagem de volta foi feita em quase silêncio. Que maravilha, disse alguém. Pedrinho dirigia devagar e não estalava os dedos. Disse, não devemos contar para mais ninguém senão todo mundo vai querer fazer isso e não vai dar mais pé.
Paramos próximo da casa de Gina, numa rua escura. Pedrinho beijou Gilda, mas nenhum dos dois estava lá muito fanático; pararam e ficaram fumando. E eu? Eu, cujos planos emergiram todos do fundo da minha cabeça; confuso: uma mulher, uma mulher, que fosse sábia, forte, tivesse calor e energia, que espremesse de dentro de mim o berne frio que ocupava um espaço da minha vida, me fizesse esquecer coisas que eu não lembrava, me afogasse, me cansasse, me deixasse arriado e acima de tudo fosse enorme, absoluta e envolvente como a terra que cobre a sepultura.
Olhei para a moça do meu lado; ah! Gina!, pensei, não é você, não é nada disso. O rosto dela ainda estava meio sujo, uma seujeira feita de sangue Helena Rubinstein que o lenço não conseguira apagar de todo. Não é você, Gina, não é ninguém, não é, não é!
Não é o quê? perguntou Gina. Com licença, disse eu, e fui empurrando, pisei no pé dela, ficou maluco? espremi Gilda, saí.
Saí e fui andando pro lugar onde eu morava, sentindo. Quando eu ficar mais velho isto passa; se eu ficar mais velho. Na porta do meu edifício vi que não estava sozinho. Boa noite, e disse e ela me olhou sem responder. Você trabalha aqui?, perguntei. Ela respondeu, trabalho no quarto andar. Eu disse, vem cá, quero falar com você, e caminhei para as escadas, ela me seguindo. Subimos. Paramos no escuro. Como é teu nome? Marli. Fiz com que ela me excitasse, dei instruções precisas que ela executou docilmente; possui-a, ambos em pé, curvados, como os dois bichos que éramos; suas mãos me agarravam com força, seu corpo tremia da posição e da ânsia, um gemido se expandia dentro do seu peito como se fosse vapor de água fervendo; nesse instante de apogeu sua boca procurou a minha, mas eu virei meu rosto: como se aquilo fosse doer?, como se aquilo fosse me perder? – também, mas principalmente como se aquilo fosse me roubar.
Ela ajeitou suas roupas. Disse, meu bem, e isso me deixou arrepiado, pois naquele momento eu era mesmo o bem dela e o meu bem qual era? Disse, vai embora, não faz barulho; ela sussurrou, amanhã?, enquanto tirava os sapatos. Não respondi.
Desci as escadas, voltei para o hall de entrada, peguei o elevador, entrei no apartamento, tirei a roupa, fui ao banheiro, me lavei, deitei na cama.
E na cama pensei, comecei pensando: dei azar, dei azar, - dei azar, dei azar, dei azar – como carneirinhos pulando uma cerca, a coisa não acabava mais e eu não dormia, e enquanto isso esse pensamento ia assomando, algo que me espreitava no escuro do meu quarto: o ruim do mundo eu ainda não tinha visto, mas faltava pouco, muito pouco, para que isto acontecesse.

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