segunda-feira, agosto 24, 2009

cherchez la femme # 11

Ela acredita nos sonhos. Não o óbvio, que os sonhos carregam significados que dizem respeito a algo muito fundo em você, o submerso emergindo quando se deita no escuro do ser. O sonho - o ser não sendo, o quando sem tempo. Ela conta os sonhos como fatos, fotos que são quase inegáveis, o ver não vendo. E quando acorda, o fluxo das imagens não param, só se transformam em palavras vivas, uma após a outra, sonhos vividos. E se alguém matou outro no sonho, é um assassino na vida real. Se alguém pintou um quadro, é um artista na vida real. Mas quando a vida real é um pesadelo, ela gosta de pensar que os sonhos só sabem mentir.

segunda-feira, agosto 10, 2009

Ao redor

Quando eu era mais jovem
e a esperança era uma maçã

as palavras se escolhiam
sem se esconder nas ruínas
da fala, das falhas.

Tudo que escrevia na parede
brilhava como neon
num vórtice que se assemelhava
ao rodar dos dias
ao redor do sol.

Quando ainda nem
cogitava o velho
nem a quebra do mar
- marasmo, maresia,
amar...

Eu sabia dos braços
e pernas das garotas
das bocas e olhos,
todos os fragmentos
que não formavam um todo,
toldo sobre o olhar.

(agora crianças descem
a rampa em círculo
e sobem as escadas fixas,
que mesmo cheirando a
madeira antiga,
levam a algo que é eternamente
novo)

quarta-feira, agosto 05, 2009

melhor resposta

Perguntaram para Gary Winogrand por que ele fotografava, e ele respondeu:

Porque quero ver como determinada coisa fica quando fotografada.

quinta-feira, julho 30, 2009

frase #2

cada flecha atirada para o alto sempre encontra um alvo

frase #1

quando uma porta se fecha, uma janela se cega

quinta-feira, abril 23, 2009

ditado Obijwe

sometimes i go about in pity for myself, and all the while, a great wind carries me across the sky

quarta-feira, abril 22, 2009

catavento e girassol



Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol
Entre o escancaro e o contido, eu te pedi sustenido e você riu bemol
Você só pensa no espaço, eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio, você é litorânea

Quando eu respeito os sinais vejo você de patins vindo na contramão
Mas quando ataco de macho, você se faz de capacho e não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega, nós não ouvimos conselho
Eu sou você que se vai no sumidouro do espelho

Eu sou do Engenho de Dentro e você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio e você é expansiva, o inseto e a flor
Um torce pra Mia Farrow, o outro é Woody Allen
Quando assovio uma seresta você dança havaiana

Eu vou de tênis e jeans, encontro você demais, scarpin, soiré
Quando o pau quebra na esquina, cê ataca de fina e me ofende em inglês
É fuck you, bate bronha e ninguém mete o bedelho
Você sou eu que me vou no sumidouro do espelho

A paz é feita num motel de alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval aumentam os desenganos
Você vai pra Parati e eu pro Cacique de Ramos

Meu catavento tem dentro o vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora o escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade, você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço, você é tão espontânea

Sei que um depende do outro só pra ser diferente, pra se completar
Sei que um se afasta do outro, no sufoco, somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser e eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão no sumidouro do espelho

terça-feira, abril 14, 2009

Nome

Na madrugada,
quando os pombos
voam como morcegos,

e todos os nomes
nos muros não tem rosto
nem voz, nem luz,
apenas sombras de ninguém,
sobras da noite,

e as artes pintadas
só ajudam a erguer outros muros,
são, no fim, apenas outros nomes,
inúteis, o inverso da noite
(que é noite ainda mais escura).

E todos esses nomes não escondem
o fato de que um só nome
realmente
ecoa

e é impronunciável.

domingo, abril 12, 2009

mãos

Uma mão rasga o colchão,
segura meu braço e puxa,
enterrando-me,
cama-cova.
Acordo.

***

Outra mão segura meu rosto,
mão-cega, tateia os lábios,
bochecha, orelha,
chega aos olhos
e entende as pálpebras
ao máximo.
Sonho.

pequena imagem

na janela
a árvore resiste ao vento
e não há nenhum
pássaro que a faça voar

quinta-feira, abril 09, 2009

Canto

Nunca fui capaz
de escrever canções
que pudesse cantar.

Sobraram-me estes versos
de ritmo caduco,
voz de chuva,
de cão, casa queimada
ao rés do chão.

E se pudesse a raiva ter voz,
ou a calma,
alguns pecados ganhariam
perdão.

(estrago, então, minha voz
com cigarros, cerveja,
cachaça.
Coleciono calos,
calafrios
- desato a corda e
me afasto do cais)

The City - Czeslaw Milosz

The city exulted, all in flowers.
Soon it will end: a fashion, a phase, the epoch, life.
The terror and sweetness of a final dissolution.
Let the first bombs fall without delay.

domingo, abril 05, 2009

O artista inconfessável - J.C. de Melo Neto

Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.

quarta-feira, março 11, 2009

Febre

Arde atrás dos olhos
e o olhar.

Arde abaixo dos cabelos,
ao redor das orelhas,
os lábios.

Inclusive o livro que leio
queima em minhas mãos.

Nas páginas surgem formigas,
sobem, descem linhas,
caminham pelo branco
e através,
Entrelaçam,
se lançam do branco rumo
ao abismo do além-livro.

(Espera, não são formigas,
são letras)

domingo, janeiro 11, 2009

outro blog

comecei um blog menos formal que este

vistapromar.tumblr.com

segunda-feira, dezembro 01, 2008

segunda-feira, outubro 20, 2008

tragédias

a cobertura midiática de eventos criminosos é sempre espantosa. Principalmente de eventos onde a identificação de todos é mais fácil: um casal comum, com um fim de namoro corriqueiro, mas que uma das partes não aceita tão bem. Todo mundo pode se relacionar a isto. Mas, de repente, algo extremo - reféns, ameaça, morte. Com essa parte não nos identificamos, ao menos conscientemente, ou queremos pensar que não. Esse é o ponto: qualquer um é capaz de atos extremos. Qualquer um. Uma frase do Terêncio, dramaturgo romano de muito muito tempo atrás, sempre volta a minha mente, sempre causa um efeito de estar diante de muita sabedoria: sou humano, nada do que é humano me é estranho.

A sensação que fica, no final das contas, é que toda essa cobertura da mídia é a tentativa de dar sentido a algo tão díspar, tão "desumano". Admitir que o mundo é imprevisível é amedrontador. Admitir que o ato dele é totalmente humano também é amedrontador. É preciso pintá-lo como um monstro, como alguém que nunca vamos ver ao olharmos num espelho.

quinta-feira, outubro 16, 2008

quarta-feira, outubro 15, 2008

o lugar que moro

Qual a mensagem dum apartamento sem móveis? Um apartamento com caixas cheio de coisas que não se sabe o dono, que não tem lugar, mas que ocupa o mesmo espaço a mais de dois anos? Uma gaveta sem cômoda ou armário que guarda dvds, uma mesa de bar segurando uma televisão, uma outra caixa coroada por um video-game.

Um apartamento sem alma é um lugar provisório. Não há móveis porque a qualquer momento pode se ir embora, esse lugar é um limbo, um espaço transitório entre o antes e o depois.

Mas o antes é algo que nem se lembra mais, de tão longe. O depois é ainda mais indefinido, uma névoa cinza, ou azul ou negra ou branca, qualquer cor que represente o dia.

Moro num lugar pronto para a mudança - se decidir ir embora agora, tudo é muito fácil de se arrumar. Moro num lugar que diz: não viemos pra ficar, não sabemos pra onde ir.

segunda-feira, setembro 29, 2008

noite

Considerei o riso entre estranhos
Uma dádiva divina,
Como se contivesse mais do que se via

(como se fosse possível a água,
Ao transbordar de um copo,
Não escorrer pelas laterais
E sim subir
E continuar subindo,
Uma coluna de firme fragilidade)

Considerei este riso e mais:
Os meio-abraços,
Confissões com hálito de álcool,
Gestos desmedidos
De leveza premeditada

mas as metáforas
mataram a noite

Tudo que eu escondia
Apareceu em meu olhar
Quando o encontrei num
Esfumaçado espelho:
Não me reconheci
E pensei estar vendo o mundo
Ao contrário