quarta-feira, dezembro 27, 2006

férias

novos escritos, novos pensamentos, qualquer coisa que tenha que pensar - só ano que vem.

até

terça-feira, dezembro 19, 2006

primeira reflexão de fim de ano

Este ano dormi pouco e mal.

terça-feira, dezembro 12, 2006

trecho de O cavalo perdido, de Felisberto Hernández seguido de pensamentos

"Celina nem sempre entra na lembrança como entrava pela porta de sua sala: às vezes entra já estando sentada ao lado do piano, ou no momento de acender o abajur. Eu mesmo, com meus olhos de agora, não a recordo: recordo os olhos que naquele tempo a olhavam; aqueles olhos transmitem o sentimento em que as imagens se movem. Nesse sentimento há uma ternura original. Os olhos do menino estão assombrados, mas não olham fixamente. Celina tão logo esboça um movimento, já termina de fazê-lo; mas esses movimentos não roçam nenhum ar em nenhum espaço: são movimentos de olhos que recordam."
Tenho pensado na memória, e de como ela vive no presente, com todas suas distorções, ficcionalizações e outros artíficios de se criar a própria história através de matéria concreta, a construção da mitologia pessoal, ou uma busca (muitas vezes inútil) de sentido para tudo isso. Este conto/novela está me tocando de uma forma estranha, é lindo, mas um pouco angustiante, ainda mais quando ecoa em minhas próprias angústias. No conto (vou chamar de conto) o narrador fala de sua relação com a sua professora de piano, quando ainda era criança. E fala principalmente de sua relação com os objetos. Os objetos são dotados de uma vida que só a imaginação de uma criança pode lhes emprestar. Estes objetos guardam segredos que o narrador quando ainda era criança tentava decifrar, e agora, bem mais velho, os revisita atrás de sentido. O narrador fica tão perdido nessas memórias que vê o presente escapar, e sua única ligação com o presente é o ato de escrever suas memórias. A minha angústia é tentar lembrar da minha infância com essa riqueza de sensações e não conseguir. Eu não sei como eu era quando ainda criança. Por isso fiquei emocionado quando, no ano passado, minha mãe achou uma carta que escrevi para meu pai quando eu tinha oito anos de idade. Esta carta é um pedaço de mim que não consigo achar na memória.

Querido Papai,

Você é a raiz da minha vida.
Quando nasci me deu toda assitência possível.
Você sempre foi amoroso e afetuoso comigo. Fui crescendo e você foi ficando cada vez mais amigo e mais atencioso.
Você sempre foi o mesmo: cabelo preto, olhos castanhos, pele morena, forte e saudável.
Hoje estou com 8 anos e já começo a tomar conta de mim mesmo.
Nunca deixei de gostar de você. Só que às vezes fico muito sentido, pois não gosto de você bravo nem quando briga comigo.
Papai, você nunca me deixou só.
Sempre me ajudou.
Muito obrigado por tudo

Gosto muito de você, pai.

Guilherme

sexta-feira, dezembro 01, 2006

As palavras

Milton Hatoum, em Dois Irmãos:

"Louca para ser livre". Palavras mortas. Ninguém se liberta só com palavras.
Parei neste parágrafo, quando lia o livro. Ruminei uns pensamentos pela metade, e o som virtual de minha voz ficou ecoando estas palavras na minha cabeça. Eu encontrei algo nas palavras, algo que não posso tocar, e que, quando penso sobre, não sei como definir. Encontrei algum tipo de consolo, algum veículo para desesperos e certezas temporárias. Já questionei, em diversos pequenos escritos, o poder da palavra sobre mim e sobre meu imaginário. Busco algo através delas, será libertação? E muitas vezes, nesta dinâmica, vi que isto era impossível, e mesmo assim não deixei de tentar. De tudo que começo e páro (faço isto bastante), nunca parei de escrever. Sinto angústia diante da inutilidade das palavras, mas sinto também que é o veículo que me aceitou, no que eu o aceitei. Não me liberto com as palavras, mas tento libertar algumas delas de mim.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Charles Mingus - Self-portrait in three colors

Self-portrait in three colors (para ouvir)

Auto-retrato em três cores. Essa música faz parte de um grande álbum de Charles Mingus, chamado Mingus Ah Um. Esta música, em particular, se destaca no álbum por não haver espaço para improvisações. A música é apenas um tema, onde três instrumentos de sopro dançam ao redor de uma mesma melodia, conversando e se contrapondo, ora juntas, ora separadas. Mingus, em sua autobiografia "Saindo da Sarjeta" (ou Beneath the Underdog - o nome é melhor em inglês) dizia ser três, e aqui nesta música ele fala disso, sem palavras.

"...sou três. Um homem fica sempre no meio, despreocupado, sem se emocionar, observando, esperando que lhe permitam expressar o que ele vê para os outros dois. O segundo homem é como um animal assustado que ataca por medo de ser atacado. E, então, há uma pessoa gentil e superamorosa que acolhe as pessoas no tempo mais sagrado do seu ser, aceita insultos, confia, assina contratos sem ler, cai na conversa dos outros e acaba trabalhando barato ou de graça, e quando percebe o que lhe fizeram tem vontade de matar e destruir tudo ao seu redor, inclusive a si mesma por ter sido tão estúpida. Mas não consegue, e volta pra dentro de si mesma."





terça-feira, novembro 21, 2006

uma casa num sonho

Estranhei as vísceras expostas

da casa vazia,

que não cedia ao fogo invisível

nem ao vento, nem à noite

que invadia meu sonho

e me roubava a paz.



Mas a casa ardia o sangue derramado

de chama contida,

não cedia nem fazia alarde –

desafiava os gritos

e clamava por constância,

tão rara ao fogo e ao incêndio.



Continuava assim,

como se fosse possível ser

para sempre chama

sem tornar-se cinzas.

segunda-feira, novembro 20, 2006

disfarce

Agora vejo os sentimentos como pequenas bolas de argila, totalmente maleáveis. Girando em uma placa, os moldo conforme a vontade do momento. A raiva pode se transformar em compaixão, a paixão pode se transformar em carência, é só aplicar o tempo a qualquer fórmula e você obtém o que se quer (mais do que isso, o que acha ser necessário). Será isso um modo de se iludir e negar que o sentimento pode ser massa bruta inquebrável? A menor partícula indivisível que pode tomar proporções gigantescas? Não sei, sei que os moldo. A pedra no meio do meu caminho é de argila.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Elas

Uma me atualizou seu passado, falou de coisas que, quando éramos próximos, não falava (acredito que há aproximação através da distância). Uma outra me fez perguntas, muitas (ficou em mim uma dúvida: quanto se fala de você quando está se conhecendo alguém? Resolvi não esconder as partes que geralmente se esconde, pra que surpresas ruins depois?). Outra parece me seguir, torna a cidade de São Paulo pequena, desfaz o labirinto (difícil andar anônimo hoje em dia, a rotina faz os caminhos serem previsíveis). Outra ainda é revisitada em minha memória, uma busca de pistas que nunca aparecerão (não é totalmente humano buscar um ponto final para tirar sentido de alguma coisa?). Encontrei uma outra, outro dia. Só ela consegue me deixar nervoso dum jeito que não fico mais (é algo na frieza, na distância imposta, parece brigar com o mundo e seus movimentos). Outra me fala das tristezas, tem um rancor de quem acredita no destino (aquela crença de que há um deus escondido que só tem olhos para ela, e passa todo seu tempo arquitetando planos mirabolantes para tornar sua vida ainda pior). Outra mora longe, muito longe. Estive com ela por apenas três horas, e ela pareceu me conhecer melhor do que qualquer outro (o que é incrível - eu, fechado, fui atravessado por seu olhar de raio-x) Outra é eufórica, energia de menino de oito anos (sim, menino, ela é um moleque). Outra perdeu a confiança em si (e quando se perde isso, perde-se também a audição, me parece – não adianta falar o contrário, elogiar, etc). Ainda muitas outras por vir, um universo inteiro que não me pertence, uma outra lógica, um outro jeito de funcionar e agir. Parece que há em nós um espaço infinito para novas pessoas, mas acho que não... só de pensar em quantas delas (estas que passaram e passam por minha vida) eu já esqueci...

Jolie Holland - Springtime Can Kill You

Jolie Holland é do Texas, é branca, mas às vezes canta com tanta negritude quanto Billie Holiday. Ás vezes usa todo seu sotaque para o country, fazendo juz a sua origem e criação texana. Em suas músicas há uma mistura de blues, country, folk e aquele jazz cantado, de bar sujo. Sua voz realmente lembra Billie Holiday, mas ela tem seu próprio estilo (eu diria que ela é bem melhor que a supervalorizada Madeleine Peiroux). Já havia mostrado promessa em seu primeiro álbum - Catalpa. Depois em Escondida, seu segundo, atingiu uma maturidade incrível e apresentou músicos doídas, mas solares - um ar diurno. Já o terceiro álbum, lançado este ano, é mais noturno, sombrio, e incrivelmente belo. Essa menina vai longe.

quarta-feira, novembro 15, 2006

As capas da Blue Note

A Blue Note foi fundada em 1939 por dois alemães - Francis Wolff e Alfred Lion. Ficou claro logo de início que eles tinham uma abordagem diferente como gravadora: estavam mais interessados na própria música do que no mercado. Isso ficou mais claro ainda quando começaram a apoiar os movimentos mais avançados de jazz, como o bebop, depois o hard-bop e depois o avant-garde. Tinham bom ouvido e investiam em músicos inovadores, preocupados em divulgar uma música cada vez mais sofisticada. Essa sofisticação se deu também no trabalho gráfico das capas de seus discos. Em 1956 contrataram Reid Miles para cuidar das capas, e o que aconteceu foi o estabelecimento de um paradigma gráfico que se tornou a cara do selo Blue Note. Utilizando fotografias de Francis Wolff (que era um grande fotógrafo e que fotografa seus músicos), uma paleta de cores bem restrita em cada capa e uma noção diferente de topografia, Reid Miles fez escola e criou uma identidade para o selo, fazendo uma perfeita ponte entre o som dentro dos discos com sua representação gráfica na capa. Mostra como a simplicidade pode ser altamente sofisticada. E, curiosamente, Reid Miles não gostava de jazz, e sim de música clássica. Depois de ganhar os discos em que tinha trabalhado ele os trocava por discos de música erudita. Interessante notar que foi o distanciamento da música que o fez vê-la tão bem e saber expressá-la graficamente. Vejam vários exemplos:







terça-feira, novembro 14, 2006

Wayne Shorter - Night Dreamer

Wayne Shorter - Night Dreamer (para ouvir)

Achei o vinil numa das barraquinhas da Praça Benedito Calixto. Chamou-me atenção a
linda capa, como geralmente o são as capas do sele Blue Note e os nomes envolvidos: o álbum é Night Dreamer de Wayne Shorter, com Elvin Jones na bateria, McCoy Tyner no piano, Lee Morgan no trompete e Reggie Workman no baixo. Comprei o disco por 10 reais e voltei feliz para casa. Coloquei na vitrola e ainda não estava preparado para as emoções e percepções que o disco iria causar. A princípio foram as sensações cruas, depois uma tentativa de racionalização. O álbum tem uma estrutura básica, nas composições, todas de Wayne Shorter. Primeiro ele apresenta o tema, construído e calmo, até a entrada do primeiro solista, que desestabiliza todo o tema e leva a música além, para o campo da improvisação, que, diga-se de passagem, estava inspirada nestas sessões. Logo na primeira música tive contato com outra coisa, não sabia o que era. Depois percebi: estava diante de um tempo outro. Há muito de matemática na música, o tempo dividido em mínimas, semínimas, breves, semibreves, etc, ou seja, o tempo dividido em instantes, uma marcação constante, como o ponteiro dos relógios, um mínimo comum para que todos os músicos tenham chão para suas viagens. Mas, pouco a pouco, a música perde esse chão, sem nunca perder sua unidade. Geralmente, nos grupos de jazz, quem tem a função de manter essa marcação é a bateria, dona do tempo. E Elvin Jones, aos poucos, vai escapando dessa função, e sua bateria torna-se uma abstração, mais do que isso, torna-se a essência, escapando da abstração que é pensar o tempo como instantes. O tempo concreto é a duração, o tempo não dividido, o tempo-tempo. O mais incrível é que é possível senti-lo. Não é necessário uma bateria dizendo pss-pss-pss-pss para marcar o compasso. Estando todos no mesmo espírito, na mesma vibração, o tempo os carrega juntos, sem ser necessário se mostrar. É apenas sentido.


segunda-feira, novembro 13, 2006

cherchez la femme (pequenos retratos)

Seus olhos têm qualidade de noite: se mostram ao esconder, firmes como a coluna de luz da lua à minha janela. E não qualquer noite, algo nítido como o ar após a chuva. O corpo anda em linha reta, pois ignora as curvas do mundo, um quase flutuar. E, como a noite, é curiosa, argüi, questiona, te olha séria e depois sorri, como se tudo fosse uma grande brincadeira. Perguntariam-me: como qualidade de noite, se ela é dourada? Eu diria que não souberam a ver – tem muito da noite no sol, e tudo contém também aquilo que esconde.

Pat Metheny - Midwestern Nights Dream

Pat Metheny - Midwestern Nights Dream

O clima é de serenidade. O cheiro e a nitidez do ar logo após a chuva. A música “fala” de uma noite que nunca vi, uma noite distante. Fala de um sonho que não se explica, que se sente. Há quase uma ausência de melodia, é puro clima. Música que pede um filme só para ela. A guitarra introduz o sonho, depois vem o baixo que desenha uma quase-melodia, a bateria marca um outro ritmo, que não se impõe, cambiante como tecido de sonhos. Talvez não o sonho, mas sua lembrança, tentando se repetir e repetir como um mantra, as palavras(ininteligíveis) sendo repetidas até não mais serem palavras, serem apenas som, levando a mente a se desligar de significados – o puro significante. Tudo isso até que o baixo se liberta da repetição e leva o desenho da quase-melodia para frases mais construídas. A guitarra se cala diante da nova construção, a bateria abusa dos pratos que espalham brilho pelo espaço sonoro. Aí o baixo novamente encontra outro mantra. É como explicaram a iluminação, o nirvana – “antes da iluminação as montanhas são montanhas e os lagos são lagos. Durante a iluminação as montanhas deixam de ser montanhas e os lagos deixam de ser lagos. Depois da iluminação as montanhas voltam a ser montanhas e os lagos voltam a ser lagos”. A música termina em fade, poderia continuar para sempre.

sexta-feira, novembro 10, 2006

ouro negro

ela chegou no bar, apressada, tentando controlar seu corpo para que não suasse. ela sempre tentava o impossível. no reflexo do vidro ajeitou seus cabelos. procurou nos rostos algum traço conhecido - ele não havia chegado. olhou o relógio do celular. conferiu o horário no relógio do bar. meia hora se passou e nada dele. tirou o brilho da bolsa e passou na boca. dispensou alguns homens que se aproximaram com um olhar distante, olhar de quem espera alguém. viu o vidro ser molhado pela chuva que iniciava. estudou novamente os rostos. estranhos, duros, nada amigáveis. não devia estar ali sozinha. outra meia hora passou. o celular tocou. o identificador mostrou que era ele. atendeu. guardou o celular. passou os olhos novamente pelo bar. algo em sua expressão devia espantar os homens. nenhum outro se aproximou. o vidro do bar já era só chuva. saiu do bar e subiu a rua pelo asfalto dourado. em dias de chuva os postes transformam o asfalto em ouro negro.

quinta-feira, novembro 09, 2006

onde está?

Ás vezes sinto uma vontade enorme de ser cruel, de tocar na ferida, de ser o estereótipo do ciumento (aquele ciúmes que não tem base nenhuma, que é baseado no nada quando não tem mais porquê de ser), de agredir só pra ver a reação do outro, pra ver seu olhar quando eu der o tapa simbólico, pra ver se a pessoa vai me xingar, se vai chorar, se vai sair andando. Já notei que eu testo as pessoas, nada muito premeditado, mas quando percebo estou levando as situações até o limite, só pra ver o que acontece. Um pouco de suicida nisso. Hum, suicida não, kamikaze, eu também levo o alvo neste ataque.

Mas não consigo nada disso. Não consigo ser cruel quando quero, não dou show, não faço cena - emudeço e olho pro outro lado, dou uma volta, vou ouvir música, ajo diferente.

Sinto falta da minha agressividade, ela me fazia ficar na ponta dos pés, na ponta da pele, à flor. Desde então me sinto apático, e faz alguns anos que não me reconheço em muitos dos meus atos. Talvez eu seja outro e ainda não percebi.

terça-feira, novembro 07, 2006

passado?

Morei em muitas cidades, conheci muita gente, a maioria nunca mais vi. Guardo delas uma memória básica, que já está desaparecendo. Da minha sala do Ateneu São Vicente, onde estudei do pré à 4ª série, guardo alguns nomes e alguns rostos, e nem sempre o rosto pertence ao nome (e um nome sem rosto é pior do que um rosto sem nome). Estou há horas tentando lembrar destes rostos e nomes, que vão me fugindo da memória, e não acho. São Vicente, São Paulo, Palmas, Goiânia, a memória se esvai e escorre, fica rala, impalpável. Tem tanta gente importante que, quando reconto a mim mesmo velhas histórias, não tem mais nome nem rosto. São fantasmas indigentes da minha história pessoal, esta que vai se perdendo. Queria revisitar todas essas cidades e saber o que aconteceu com cada uma dessas pessoas. Ou ao menos lembrar mais, reconstruir pedaços da minha vida que já não se encaixam e parar com essa angústia de perder meu passado.

domingo, novembro 05, 2006

O que publiquei em 5 de novembro de 2003, no antigo blog

brincadeira em cima de um texto de Gertude Stein

Estava disposto a qualquer estrago. A qualquer estrela. A qualquer estrada. Qualquer querer era estranho. Pois qualquer era um qualquer.

Ele mesmo era um qualquer, estragando palavras e estrelas. O brilho da estrada brilhava há anos-luz dali. E as estradas não levavam a estrelas.

O estrago se dispunha a qualquer um. Estava disposto a estragar qualquer beleza, qualquer estrela, qualquer buraco, qualquer estrago, qualquer burrada, qualquer estrada.

Era estranho tudo isso, porque tudo era sempre um qualquer. E se reparasse que era um grande nada, seria qualquer de qualquer maneira.

Os buracos da estrada. As burradas das estrelas. A beleza do estrago. Ele estava disposto a qualquer coisa.

sábado, novembro 04, 2006

brincando...

Passam as horas como minhas pálpebras, que apenas se fazem presentes quando não posso ver. Passam meus pensamentos como névoa, o inverso da noite nítida que tanto me encantou ontem. Ontem – as duas vogais anasaladas da palavra a faz parecer mais longa do que é. Meu ontem sempre vai ser do tamanho do meu hoje. O mundo sempre vai ser um pouco maior que meus olhos. O sol sempre vai caber na palma da minha mão. O vento só cabe na pele (ou quando forte também nos ouvidos). O riso, quando bom, não cabe na boca, espalha pelos olhos e pela barriga. A madrugada quando é assim parece maior do que o tempo. De novo a névoa envolvendo as palavras que escrevo, que não me levam a lugar nenhum. De novo eu brigando com as palavras, mas aquela briga de criança, que é mais brincadeira do que qualquer outra coisa. Brigas que não deixam cicatrizes. Eu poderia continuar escrevendo sobre nada por horas, quando na verdade quero tudo.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Joni Mitchell parte II

Dando continuidade ao post anterior.

Court and Spark saiu em 1974. Talvez o disco mais equilibrado entre todas as influências - pop, folk e jazz. Novamente cheio de letras fantásticas que contam histórias, traçam perfis de personagens e o tema do amor, tão recorrente em sua obra.
O disco abre com Court and Spark, que dá nome ao disco. Joni está no piano (ela alterna entre piano e violão). A música vai ganhando em intensidade, conforme o relato do homem que ela encontrou por acaso vai entrando em sua vida e ganhando força. E a música acaba tristemente, quando Joni diz que não podia deixar Los Angeles apenas por ele:


"All the guilty people" he said/ They've all seen the stain/ On their daily bread/ On their christian names/ I cleared myself/ I sacrificed my blues/ And you could complete me/ I'd complete you/ His eyes were the color of the sand/ And the sea
And the more he talked to me/ The more he reached me/ But I couldn't let go of L.A./ City of the fallen angels"
Help Me, uma música que fala do momento em que alguém se percebe apaixonado, mas ambos não estão dispostos a abandonar a liberdade:

"Help me/ I think I'm falling/ In love with you/ Are you going to let me go there by myself/ That's such a lonely thing to do/ Both of us flirting around/ Flirting and flirting/ Hurting too/ We love our lovin'/ But not like we love our freedom"

People´s Parties, onde Joni Mitchell fala de personagens que perambulam por festas, onde há troca de idéias, de vidas, onde as pessoas se conhecem, se aproximam e se distanciam. Fala também do modo como gostaria de encarar a vida, o seu desejo de rir de tudo, para que as coisas sejam mais leves:

"I feel like I'm sleeping/ Can you wake me/ You seem to have a broader sensibility/ I'm just living on nerves and feelings/ With a weak and a lazy mind/ And coming to peoples parties/ Fumbling deaf dumb and blind/ I wish I had more sense ot humor/ Keeping the sadness at bay/ Throwing the lightness on these things/ Laughing it all away/ Laughing it alI away/ Laughing it all away"

The Hissing of Summer Lawns, de 1975, é um disco diferente de todos os anteriores, menos acessível, mas não menos belo. Edith and Kingpin fala de um relacionamento entre uma garota e um criminoso:

"Edith in his bed/ A plane in the rain is humming/ The wires in the walls are humming/ Some song some mysterious song/ Bars in her head/ Beating frantic and snowblind/ Romantic and snowblind/ She says his crime belongs/ Edith and the Kingpin/ Each with charm to sway
Are staring eye to eye/ They dare not look away/ You know they dare not look away"
Shades of Scarlett Conquering, que fala da relação muito forte de uma garota com o cinema, de como ela traz tudo isso para sua vida, para seu imaginário:

"Out of the fire like Catholic saints/ Comes Scarlett and her deep complaint/ Mimicking tenderness she sees/ In sentimental movies/ A celluloid rider comes to town/ Cinematic lovers sway/ Plantations and sweeping ballroom gowns/ Take her breath away"
No ano seguinte ela lança Hejira, o primeiro disco da sua fase mais voltada para o jazz. Primeiro disco com Jaco Pastorius no baixo, que segundo Joni Mitchell fez sua visão musical mudar. Amelia é quase uma conversa, ou uma carta:

"A ghost of aviation/ She was swallowed by the sky/ Or by the sea like me she had a dream to fly/ Like Icarus ascending/ On beautiful foolish arms/ Amelia it was just a false alarm/ Maybe I've never really loved/ I guess that is the truth/ I've spent my whole life in clouds at icy altitude/ And looking down on everything/ I crashed into his arms/ Amelia it was just a false alarm"
A Strange Boy fala de um rapaz que segundo o eu lírico da música não amadureceu, que nem os anos turbulentos (60 e 70) não o fizeram crescer:

"He keeps referring back to school days/ And clinging to his child/ Fidgeting and bullied/ His crazy wisdom holding onto something wild/ He asked me to be patient/ Well I failed/ "Grow up!" I cried/ And as the smoke was clearing he said/ "Give me one good reason why""
Blue Motel Room, música em tom bastante confessional, como uma carta endereçada a alguém que ficou em Los Angeles, enquanto ela, Joni, viaja pelo país, trabalhando:

"I've got road maps/ From two dozen states/ I've got coast to coast just to contemplate/ Will you still love me/ When I get back to town/ It's funny how these old feelings hang around/ You think they're gone/ No, no/ They just go underground/ Will you still love me/ When I get back to L.A. town"
continua no próximo post.

terça-feira, outubro 31, 2006

Joni Mitchell


Gosto muito de pensar nos caminhos musicais que me levaram a alguns de meus músicos preferidos. Quando tinha 14 anos comecei a tocar baixo, influenciado por amigos que já tocavam alguns instrumentos. E logo um amigo, também baixista, me apresentou Jaco Pastorius, um dos grandes baixistas que já viveram. Gostei imediatamente do Pastorius. Comecei a ir atrás de sua discografia, e descobri que ele tocava com uma mulher, que aparentemente nem cantava jazz. Era folk. Acho que na época eu nem sabia o que era folk. Primeiramente ouvi os álbuns que o Pastorius participou (que é conhecido com a fase jazz dela): Hejira, Don Juan´s Reckless Daughter, Mingus e álbum ao vivo Shadows and Light. Fiquei maravilhado com as músicas, a princípio. Não era jazz, não era como outras músicas folk (que depois descobri o que eram). Era outra coisa, era algo único, era Joni Mitchell. Depois de ficar maravilhado com a música, que é o impacto mais imediato, obviamente, fiquei extasiado com as letras – eram tão vivas, tristes, alegres, engraçadas, lindas. Elas contavam histórias, traçavam perfis, falavam da vida pessoal de Joni e da vida de outros, mas com uma sinceridade absurda. Fui atrás dos discos mais antigos, a fase folk. Novamente me deparei com várias, várias pérolas. Como acho que os milhares de adjetivos não vão elucidar nada do que falo (apenas servem como tentativa de compartilhar meus sentimentos), vou colar trechos de letras de diversos álbuns.

Os álbuns que mais gosto, em ordem cronológica, com alguns trechos de música:

Ladies of the Canyon´(1970):

minha música preferida deste disco é Rainy Night House, um retrato de um rapaz rico que deixa tudo que tem para descobrir quem é:

"It was a rainy night/ We took a taxi to your mother's home/ She went to Florida and left you/ With your father's gun alone
Upon her small white bed/ I fell into a dream/ You sat up all the night and watched me/ To see who in the world I might be"

Outra música desse álbum que gosto muito, música que fala do tempo e de sua inevitabilidade - The circle game:

"Yesterday a child came out to wonder/ Caught a dragonfly inside a jar/ Fearful when the sky was full of thunder/ And tearful at the falling of a star/ Then the child moved ten times round the seasons/ Skated over ten clear frozen streams/ Words like when you're older must appease him/ And promises of someday make his dreams/ And the seasons they go round and round/ And the painted ponies go up and down/ We're captive on the carousel of time/ We can't return we can only look/ Behind from where we came/ And go round and round and round/ In the circle game"
O disco que segue é Blue, de 1971. Um álbum triste, visceral, num tom confessional que impressiona pelo nível de exposição de Joni Mitchell. Um trecho de All I want, música que abre o disco:

"I am on a lonely road and I am traveling/ Looking for the key to set me free/ Oh the jealousy, the greed is the unraveling
It's the unraveling/ And it undoes all the joy that could be/ I want to have fun, I want to shine like the sun/ I want to be the one that you want to see/ I want to knit you a sweater/ Want to write you a love letter/ I want to make you feel better/ I want to make you feel free/ I want to make you feel free"


Trecho de Blue, música que dá nome ao álbum:

"Blue songs are like tattoos/ You know I've been to sea before/ Crown and anchor me/ Or let me sail away/ Hey blue, here is a song for you/ Ink on a pin/ Underneath the skin/ An empty space to fill in/ Well there're so many sinking now/ You've got to keep thinking/ You can make it thru these waves/ Acid, booze, and ass/ Needles, guns, and grass/Lots of laughs lots of laughs"

E um último trecho, da música A Case of You, que é um belo exemplo das músicas de amor de Joni Mitchell - ela sempre sente que vai se perder no outro, e acaba se perdendo, mas nunca desiste:

"Just before our love got lost you said/ "I am as constant as a northern star"/ And I said "Constantly in the darkness/ Where's that at?/ If you want me I'll be in the bar"/ On the back of a cartoon coaster/ In the blue TV screen light/ I drew a map of Canada/ Oh Canada/ With your face sketched on it twice/ Oh you're in my blood like holy wine/ You taste so bitter and so sweet/ Oh I could drink a case of you darling/ Still I'd be on my feet/ oh I would still be on my feet"
No próximo post continuo com mais trechos e pequenos comentários.

sábado, outubro 28, 2006

Pequeno ritual

Realmente não sei o porquê da mudança. Acredito que todos nós somos marcados por pequenos rituais, rezas diárias para pequenos templos, tentativas de organizar um tempo que independe de qualquer coisa. Então penso que essa mudança de blog é reflexo de muitos pensamentos e questões que andam povoando minha cabeça. Talvez a mudança seja um incentivo próprio para escrever em maior quantidade e mais livremente, de alguma forma me sentia preso à fórmulas no antigo blog. Não sei se tudo isso mudará com uma simples mudança de endereço, mas espero que sim. Este gesto não deixa de ser uma mudança de casa, busca de outras vistas, de outras janelas, de uma nova cama, de um novo caminho (mesmo que tudo isso seja um tanto subjetivo e simbólico, é algo vivo e vive em mim).

Encontrei no livro de Milton Hatoum, Dois irmãos, uma epígrafe, tirada de um poema de Carlos Drummond de Andrade:

“A casa foi vendida com todas as lembranças

todos os móveis todos os pesadelos

todos os pecados cometidos ou em vias de cometer

a casa foi vendida com seu bater de portas

com seu vento encanado sua visto do mundo

seus imponderáveis[...]”